Dom Emil Shimoun Nona era o arcebispo católico caldeu de Mossul (Iraque) quando o grupo autodenominado Estado Islâmico (EI) invadiu a cidade em 2014, forçando os cristãos a fugirem. O arcebispo encontrou abrigo junto com seu rebanho em Telkef e em outras aldeias cristãs na Planície de Nínive. Este refúgio foi de curta duração: durante a noite de 6 de agosto, com um aviso de apenas 30 minutos de antecedência, as tropas do exército curdo recuaram, deixando mais de 120 mil cristãos no caminho de avanço do EI. A noite do êxodo, a fuga para Erbil e para qualquer outro lugar se tornou o “Gólgota” do século XXI para dezenas de milhares de cristãos.

 

Três anosdepois, Maria Lozano, diretora de imprensa da ACN Internacional – Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre, entrevistou Dom Emil, atualmente bispo católico caldeu da Austrália e da Nova Zelândia, sobre a recente liberação de Mossul e o retorno dos cristãos às planícies de Nínive.

A mídia noticiou que Mossul está finalmente livre dos combatentes do EI. O que o senhor sentiu ao ouvir essa notícia?

Meu primeiro sentimento foi a lembrança do último dia em Mossul e a noite em que nosso povo teve que fugir da cidade. Quando ouvi dizer que a cidade estava liberada, não conseguia parar de pensar no povo: onde estão agora? Como estão as nossas antigas igrejas e nossa herança cristã? O que aconteceu com tudo isso nos últimos 3 anos?

O senhor era o arcebispo de Mosul quando o EI entrou na cidade e o obrigou a deixar sua diocese. Quais memórias possui desses momentos?

Aquela noite foi realmente dramática na minha vida. Eu tinha medo pelo povo, em particular, pelas meninas do nosso orfanato em Mossul e pelas famílias formadas somente por mães e filhos… tentei de tudo para ajudá-los a deixar a cidade com segurança. Graças a Deus, no início da manhã, conseguimos tirar todas as meninas e as famílias mais vulneráveis. Fiquei muito feliz quando soube que tinham saído da cidade sem ter acontecido nada grave.

Depois de 3 anos de ocupação, Mossul está realmente livre do EI? Mesmo que os combatentes tenham deixado a cidade, algumas pessoas dizem que o EI continua sendo um fardo psicológico para quem viveu esse tempo.

Difícil dizer que o EI esteja derrotado em Mossul ou em outro lugar. O EI é uma maneira de pensar e atuar e isso resulta em uma sociedade que pensa que tem o direito de fazer o que quer. Que sua crença é a única verdadeira, e que deve ser aplicada a todas as outras pessoas. Então, embora a cidade de Mossul tenha sido liberada militarmente, ainda há outra batalha: mudar e vencer o berço desse tipo de pensamento e atuação. Os cristãos afetados pela ocupação do EI não conseguem viver uma vida normal quando sabem que a sociedade responsável por gerar o EI ainda existe.

Qual era a dimensão da comunidade cristã antes do EI invadir a cidade? Quantas igrejas e cristãos haviam lá?

Em 2014, na cidade de Mossul, havia cerca de 15 mil pessoas de diferentes igrejas cristãs: caldeus, siríacos ortodoxos, siríacos católicos e algumas ramificações armênias. Muitas de nossas igrejas caldeias foram fechadas, inclusive antes de 2014, porque um bom número de pessoas do nosso povo deixou a cidade após os assassinatos do Pe. Ragheed e Dom Raho em 2008.

O senhor crê que a comunidade cristã retornará para Mossul?

Não sei se voltarão para Mossul, ainda é cedo para afirmar se retornarão ou não.

Sua família é de Alqosh. O senhor está acompanhando a reconstrução das aldeias cristãs nas planícies de Nineve?

Sim, estou acompanhando e estamos tentamos também em nossa diocese de Caldá, na Austrália, encontrar a melhor maneira de ajudar a construção das aldeias cristãs lá.

Como o senhor vê o futuro dos cristãos no Iraque?

É muito difícil saber como será o futuro dos cristãos no Iraque, mas, como cristão, espero que seja bom, embora haja muitos fatores negativos na situação atual de toda a região.

Qual sua mensagem para os benfeitores da ACN?

Gostaria de dizer aos benfeitores de todo o mundo que aqui no Iraque estão seus irmãos e irmãs, em extrema necessidade. Os ajudem a permanecer e a construirem um novo futuro na sua própria terra natal. Os cristãos vivem nestas terras há2000 anos, mas existe o risco de se perder tudo se não houver apoio nesta situação crítica. Ajudem os cristãos a permanecerem e a viverem como cristãos nestas terras.

Apoio da ACN

Os desafios que os cristãos da Planície de Nínive enfrentam são enormes. Há atualmente 14 mil famílias registradas que fugiram de Mossul e da Planície de Nínive e que estão vivendo em Erbil, cerca de 90 mil pessoas ao todo. Aproximadamente 13 mil casas precisam ser reconstruídas. Além disso, há grande preocupação com relação à segurança das aldeias cristãs, ainda incerta devido às manobras políticas iraquianas e curdas, somada às questões de infraestrutura (água, eletricidade, transporte, educação e saúde). Importantíssimo também é o suporte necessário para as famílias no período entre o fim dos projetos correntes de aluguel e cestas básicas e o retorno das famílias para as aldeias reconstruídas. De acordo com as últimas pesquisas do Comitê de Reconstrução de Nínive, no dia 14 de julho de 2017, 1.228 famílias já tinham retornado para a Planície de Nínive e 342 propriedades tinham sido reformadas, das quais 157 foram restauradas com contribuições fornecidas pela ACN.

Desde que a crise começou, a ACN tem prestado ajuda de emergência aos cristãos refugiados e deslocados no norte do Iraque por meio de inúmeros projetos de fornecimento de alimentos, medicamentos, educação, moradia, auxílio pastoral e reconstrução.

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