Zimbábue
LIBERDADE RELIGIOSA NO MUNDO
RELATÓRIO 2023
POPULAÇÃO
17.680.465
ÁREA (km2)
390.757
PIB PER CAPITA
1.900 US$
ÍNDICE GINI
50.3
Disposições legais em relação à liberdade religiosa e aplicação efetiva
A liberdade religiosa e o direito à prática das crenças religiosas estão consagrados na Constituição do Zimbábue de 2013.1 No seu preâmbulo, o documento reconhece “a supremacia de Deus Todo Poderoso em cujas mãos reside o nosso futuro” e “implora a Sua orientação e apoio”. O n.º 1, alínea d), do artigo 3.º reconhece “a diversidade de valores religiosos, culturais e tradicionais do país” e os direitos a eles associados, e garante a todos os cidadãos, no artigo 60.º (n.º 1, alíneas a) e b)), “o direito à liberdade de pensamento, opinião, religião ou crença”, bem como a “liberdade de praticar e propagar e dar expressão ao seu pensamento, opinião, religião ou crença, seja em público ou em privado e seja sozinho ou em conjunto com outros”. O n.º 2 do mesmo artigo também afirma que “ninguém pode ser obrigado a prestar um juramento que seja contrário à sua religião ou crença, ou a prestar um juramento de maneira que seja contrária à sua religião ou crença”.
O artigo 60.º (n.º 3) afirma que “os pais e tutores de crianças menores têm direito a determinar, de acordo com as suas crenças, a educação religiosa e moral dos seus filhos, desde que não prejudiquem os direitos dos seus filhos no âmbito desta Constituição, incluindo os seus direitos à educação, saúde, segurança e bem-estar”.2 O n.º 4 deste mesmo artigo reconhece o direito das comunidades religiosas a “estabelecerem instituições onde a instrução religiosa possa ser dada, mesmo que a instituição receba um subsídio ou outro apoio financeiro do Estado”.3
Formalmente, a Constituição do Zimbábue considera os direitos e liberdades humanas como fundamentais, mas estes são limitados sempre que o papel do partido no poder, ZANU-PF (Zimbabwe African National Union – Patriotic Front), é posto em causa. A Lei da Ordem Pública e Segurança de 2002 (POSA, na sigla inglesa)4 restringe efetivamente a liberdade de reunião e associação, e as autoridades usam a POSA para tratar como “políticos” quaisquer tipos de encontros, incluindo os encontros religiosos. As organizações de direitos humanos alegam que a polícia tem utilizado frequentemente a POSA no passado para suspender reuniões religiosas.5
Em 2019, o Governo do Zimbábue, que tomou posse em 2017 com a destituição do homem forte de longa data Robert Mugabe, substituiu a POSA pela Lei de Manutenção da Paz e da Ordem (MOPA).6 Desde então, o novo presidente, Emmerson Mnangagwa, um antigo fiel de Mugabe, tem sido acusado de repressão contra os dissidentes.7
Incidentes
e episódios relevantes
Nos últimos dois anos registraram-se vários desenvolvimentos importantes no Zimbábue em termos de liberdade religiosa.
Em outubro de 2020 foi oficialmente lançado o Conselho Inter-religioso do Zimbábue (ZIRC). Esta plataforma inter-religiosa, que reúne Cristãos e Muçulmanos, visa “promover a paz, a reconciliação, a boa governação e o desenvolvimento humano integral através da ação e da colaboração inter-religiosas”.8
Em dezembro de 2020, o Tribunal Constitucional do Zimbábue9 decidiu que o juramento nacional, que contém a expressão “Deus Todo-Poderoso”, era inconstitucional por violar a liberdade de consciência dos estudantes e os direitos dos pais.
Em setembro de 2021, o Governo propôs alterações à Lei das Organizações Voluntárias Privadas (PVO)10 com o objetivo pretendido de regulamentar as ONG, alegando que as alterações eram necessárias para combater o branqueamento de capitais e o terrorismo11 e impedir que grupos militantes procurem mudar o regime e tenham acesso a financiamento estrangeiro.12
Em novembro de 2021, o projeto de alteração da Lei das Organizações Voluntárias Privadas foi apresentado ao Parlamento13 mas suscitou críticas de várias organizações, incluindo grupos religiosos, porque daria às autoridades poderes muito amplos sobre um maior número de grupos, incluindo sobre os seus assuntos internos e financiamento.
Atualmente, os grupos religiosos estão isentos da legislação existente relativa às PVO, mesmo que o seu trabalho de beneficência vá além das atividades religiosas.14 Se o projeto de lei for aprovado, o Governo poderá proibir qualquer organização que se envolva na política e revogar o seu registro se considerar que uma autoridade religiosa representa um “elevado risco [de terrorismo]”, reservando-se ainda o poder de substituir os seus dirigentes.15
De acordo com as organizações da sociedade civil, incluindo os grupos religiosos, o projeto da Lei das Organizações Voluntárias Privadas arrisca-se a limitar os direitos de reunião e de expressão e pode potencialmente afetar a capacidade destas organizações de ajudarem as pessoas.16
Em dezembro de 2021, quatro relatores especiais da ONU emitiram uma declaração afirmando que o projeto de lei proposto teria “graves consequências para o exercício dos direitos civis e políticos”,17 o que poderá ter um impacto negativo na liberdade religiosa.
Durante a pandemia de COVID-19, as autoridades e os líderes religiosos de todo o país trabalharam em conjunto para combater a desinformação e promover a vacinação.18 No entanto, as restrições impostas pelo Governo deixaram as organizações religiosas, sobretudo as Igrejas, a braços com desafios sem precedentes, sentindo algumas delas que poderiam ter sido mais bem envolvidas na gestão da situação.19 Além disso, grupos de defesa dos direitos humanos acusaram as autoridades de politizar a ajuda alimentar, de aplicar seletivamente os regulamentos sanitários para silenciar os que criticam as ações do Governo e de permitir que grupos religiosos pró-governamentais contornassem as regras que proibiam a realização de grandes reuniões.20
A Autoridade de Radiodifusão do Zimbábue (BAZ) aprovou várias licenças para rádios comunitárias e universitárias, mas, mais uma vez, foi recusada à Igreja Católica uma licença de radiodifusão,21 em grande parte devido ao receio de que as rádios independentes criticassem o Governo e o partido no poder, o ZANU-PF. Por sua vez, a BAZ observou que os grupos religiosos não têm direito a uma licença de radiodifusão ao abrigo da lei. Por conseguinte, os grupos religiosos viraram-se para as redes sociais.22
A Universidade Católica do Zimbábue anunciou planos para abrir um centro de ensino e aprendizagem online, o que permitirá alargar o seu alcance para além das fronteiras do país. Desde a sua fundação em 1999, a universidade viu o número de inscrições aumentar 10 vezes.23
A Igreja Católica desempenha um papel proeminente na promoção da educação entre os fiéis, incluindo os seus deveres cívicos, como o voto. Juntamente com outras Igrejas, a Conferência dos Bispos Católicos do Zimbábue (ZCBC) distribuiu cópias da Constituição aos seus membros e conduziu debates sobre os direitos dos cidadãos, nos quais foram expressas preocupações sobre a liberdade de reunião e de expressão.24
Nas eleições complementares de março de 2022 para o Parlamento, a Coligação de Cidadãos para a Mudança, o principal partido da oposição do Zimbábue, que já tinha acusado o Governo de incompetência, ganhou 19 dos 28 lugares no escrutínio há muito adiado.25 Durante a campanha, a Conferência Episcopal emitiu uma declaração pastoral apelando a eleições complementares livres, justas e pacíficas.26
Perspectivas para a
liberdade religiosa
O Governo do Zimbábue continua controlando grupos e organizações religiosos e não religiosos que criticam as suas ações. Os seus alvos incluem eventos públicos e encontros de oração organizados por grupos religiosos, bem como por ONGs, independentemente de estas serem ou não religiosas.27
No entanto, para a Igreja Católica, a atmosfera de confronto que prevalecia há pouco tempo dissipou-se um pouco.28 A Igreja continua desempenhando um papel positivo nos cuidados de saúde, na educação cívica e escolar e no apoio a eleições livres e justas, defendendo a transparência.
Um passo importante durante o período em análise foi a criação do Conselho Inter-religioso do Zimbábue (ZIRC), que reúne Cristãos, Muçulmanos e outros grupos para defender “a capacitação dos organismos membros para o bem comum”.29 Resta saber, no entanto, se isto irá melhorar as perspectivas para a liberdade religiosa, uma vez que o Governo continua desconfiando dos grupos religiosos sempre que estes criticam as suas políticas e ações. As perspectivas para a liberdade religiosa no Zimbábue são, portanto, atualmente estáveis, embora dependentes dos caprichos dos funcionários governamentais.
Notas e
Fontes
1 Zimbabwe 2013 (rev. 2017), Constitute Project, https://www.constituteproject.org/constitution/Zimbabwe_2017?lang=en (acessado em 23 de maio de 2022).
2 Ibid.
3 Ibid.
4 “Public Order and Security Act (POSA)”, kubatana.net, https://web.archive.org/web/20071110022548/http://www.kubatana.net/html/archive/legisl/020122posa.asp?sector=LEGISL&year=0&range_start=1 (acessado em 24 de maio de 2022).
5 “Under a shadow: civil and political rights in Zimbabwe”, Human Rights Watch, Junho de 2003, https://www.hrw.org/legacy/backgrounder/africa/zimbabwe060603.htm (acessado em 24 de maio de 2022).
6 “Maintenance of Peace and Order Bill 2019”, Veritas, http://www.veritaszim.net/taxonomy/term/689 (acessado em 24 de maio de 2022).
7 “Zimbabwe: The persecution and prosecutions of Hopewell Chin’ono”, Ordem dos Advogados Americana, 20 de outubro de 2021, https://www.americanbar.org/groups/human_rights/reports/zimbabwe-the-persecution-and-prosecutions-of-hopewell-chinono/ (acessado em 20 de Junho de 2022).
8 “Inauguration of the Zimbabwe Interreligious Council (ZIRC) bringing together Christians and Muslims”, Irmandade Evangélica do Zimbábue, 30 de outubro de 2020, http://www.efzimbabwe.org/latest-news/news-at-efz/288-inauguration-of-the-zimbabwe-interreligious-council-zirc (acessado em 7 de Agosto de 2022).
9 House, Ryan, “Zimbabwe court rules national pledge unconstitutional”, The Jurist, 29 de dezembro de 2020, https://www.jurist.org/news/2020/12/zimbabwe-court-rules-national-pledge-is-unconstitutional/ (acessado em 7 de Agosto de 2022).
10 “Private Voluntary Organizations Act”, Organização Internacional do Trabalho, https://www.ilo.org/dyn/natlex/natlex4.detail?p_lang=en&p_isn=57016&p_country=ZWE&p_count=456 (acessado em 7 de Agosto de 2022).
11 Murwira, Zvamaida, “Zimbabwe: PVO bill to curb Terrorism”, The Herald (Harare), 28 de Abril de 2022, https://www.herald.co.zw/pvo-bill-to-curb-terrorism-govt/ (acessado em 7 de Agosto de 2022).
12 “UN condemns anti-NGO Bill”, Bulawayo 24, 23 de dezembro de 2021, https://bulawayo24.com/index-id-news-sc-national-byo-213101.html (acessado em 7 de Agosto de 2022).
13 “Zimbabwe: New bill poses serious threats to freedom of association”, World Organisation Against Torture, 22 de março de 2022, https://www.omct.org/en/resources/statements/zimbabwe-private-voluntary-organisations-amendment-bill-poses-serious-threats-to-freedom-of-association (acessado em 7 de Agosto de 2022).
14 Gabinete para a Liberdade Religiosa Internacional, 2021 International Religious Freedom Report, “Zimbabwe”, Departamento de Estado Norte-Americano, https://www.state.gov/reports/2021-report-on-international-religious-freedom/zimbabwe/ (acessado em 7 de Agosto de 2022).
15 “Zimbabwe: New bill poses serious threats to freedom of association”, op. cit.
16 Gabinete para a Liberdade Religiosa Internacional, op. cit.
17 “UN condemns anti-NGO Bill”, op. cit.
18 “Zimbabwe’s religious leaders increase efforts to tackle COVID-19 and support vaccines”, UNICEF, 5 de maio de 2021, https://www.unicef.org/zimbabwe/press-releases/zimbabwes-religious-leaders-increase-efforts-tackle-covid-19-and-support-vaccines (acessado em 7 de Agosto de 2022).
19 Mahiya, Innocent. T., “Reconfiguration and adaptation of a church in times of Covid-19 pandemic: A focus on selected churches in Harare and Marondera, Zimbabwe”, Taylor and Francis online, 16 de Janeiro de 2022, https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/23311983.2021.2024338?cookieSet=1 (acessado em 7 de Agosto de 2022).
20 Gabinete para a Liberdade Religiosa Internacional, op. cit.
21 Phiri, Marko, “The Catholic Church wants air time in Zimbabwe. But the government is (still) saying no”, America The Jesuit Review, 2 de Junho de 2021, https://www.americamagazine.org/politics-society/2021/06/02/catholic-church-zimbabwe-radio-license-authoritarian-government-240783 (acessado em 7 de Agosto de 2022).
22 Gabinete para a Liberdade Religiosa Internacional, op. cit.
23 Madava, Tadiwa, “Zimbabwe: Catholic University to take university learning online”, Vatican News, 15 de maio de 2022, https://www.vaticannews.va/en/africa/news/2022-05/zimbabwe-catholic-university-of-zimbabwe-to-take-university-lea.html (acessado em 7 de Agosto de 2022).
24 Gabinete para a Liberdade Religiosa Internacional, op. cit.
25 “Zimbabwean opposition wins majority seats in by-elections”, Al Jazeera, 28 de março de 2022, https://www.aljazeera.com/news/2022/3/28/zimbabwean-opposition-wins-majority-seats-in-by-elections (acessado em 24 de maio de 2022).
26 Matambo, Kudakwashe, “Zimbabwe’s Church leaders issue statement on the Elections we want”, Vatican News, 18 de Fevereiro de 2022, https://www.vaticannews.va/en/africa/news/2022-02/zimbabwe-s-church-leaders-issue-statement-on-the-elections-we-w.html (acessado em 20 de Junho de 2022).
27 Gabinete para a Liberdade Religiosa Internacional, op. cit.
28 Religious freedom in the world report 2021, Ajuda à Igreja que Sofre, https://acninternational.org/religiousfreedomreport/reports/zw/ (acessado em 7 de Agosto de 2022).
29 “Inauguration of the Zimbabwe Interreligious Council (ZIRC) bringing together Christians and Muslims”, op. cit.