Guiné-Bissau
LIBERDADE RELIGIOSA NO MUNDO
RELATÓRIO 2023
POPULAÇÃO
2.000.694
ÁREA (km2)
36.125
PIB PER CAPITA
1.549 US$
ÍNDICE GINI
34.8
Disposições legais em relação à liberdade religiosa e aplicação efetiva
A República da Guiné-Bissau é um país de grande diversidade religiosa e étnica. De acordo com o artigo 1.º da Constituição, a Guiné-Bissau é uma “república soberana, democrática, laica e unitária”.1 O artigo 4.º (seção 5) e o artigo 45.º (seção 3), respectivamente, proíbem os partidos políticos e sindicatos de se identificarem com qualquer Igreja, religião, culto ou doutrina religiosa. As mesmas proibições se aplicam à identificação de partidos com o nome de uma região do território nacional ou com o nome de uma pessoa. Embora o texto constitucional afirme que a liberdade de religião e consciência são invioláveis, o artigo 30.º (seção 2) permite ao Estado suspender ou limitar “direitos, liberdades e garantias fundamentais” em caso de estado de emergência, mas apenas “para proteger outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, e estas suspensões ou limitações não podem ser retroativas, nem diminuir o conteúdo essencial desses direitos” (artigo 30.º, seção 3).2 O artigo 24.º estabelece claramente que todos os cidadãos são iguais perante a lei, com os mesmos direitos e deveres, sem distinções de qualquer tipo (incluindo a religião).
O artigo 6.º reconhece a separação entre Igreja e Estado (seção 1), observando que o Estado deve respeitar e proteger “todas as religiões legalmente reconhecidas”, enquanto as “atividades destas religiões e a prática da fé estão sujeitas à lei” (seção 2).
Os grupos religiosos são obrigados a obter uma licença do Ministério da Justiça para poderem receber isenções fiscais.3 Embora possam ensinar a sua fé e alguns tenham escolas privadas, a instrução religiosa não é permitida nas escolas públicas.4 Contudo, existem algumas escolas privadas geridas por grupos religiosos que devem cumprir as normas curriculares governamentais para conceder qualificações reconhecidas no âmbito nacional.5
A associação da religiosidade aos detentores do poder é um aspecto importante da sociedade local e tem tido um impacto na disposição da população para com os seus líderes.6
Apesar da instabilidade política e da pobreza generalizada, as tensões religiosas têm sido mínimas há décadas.
Incidentes
e episódios relevantes
Em abril de 2021, o Presidente Umaro Sissoco Embaló recusou-se a dar financiamento governamental para a distribuição tradicional de arroz e açúcar aos muçulmanos durante o Ramadã.7 Um mês mais tarde, na região de Bafatá, jovens muçulmanos locais e a polícia entraram em confronto depois de os líderes religiosos de uma cidade se recusarem a cumprir um dia de oração pós Ramadã, conforme estabelecido pelas autoridades. Em julho, alguns clérigos muçulmanos opuseram-se à decisão do Ministério da Administração Pública de escolher a data para a recitação das orações do Eid al-Adha, alegando que tal constituía uma interferência indevida do Governo.8
Em outubro de 2021, alguns líderes religiosos queixaram-se da falta de ação governamental contra o extremismo, avisando que algumas mesquitas e escolas locais estavam recebendo fundos estrangeiros de grupos islamitas radicais, minando o tradicional Islamismo moderado do país. O Governo foi também criticado por não conseguir transformar escolas só de árabe em escolas regulares, onde são ensinadas aos estudantes matérias mais seculares, permitindo-lhes uma melhor integração na sociedade em geral.9
Em agosto de 2021, faleceu o imã Ustas Aladjil Bubacar Djalo de Mansoa. A sua morte foi uma grande perda para os muçulmanos, mas também afetou a Igreja Católica devido ao seu empenho no diálogo e na paz entre muçulmanos e cristãos.10 O Administrador Apostólico da Diocese de Bissau, Dom José Lampra Cá, e o Administrador da Diocese de Bafatá, Padre Lucio Brentagni, disseram que “a comunidade católica tem uma ligação muito forte com o Imã Ustas” e que partilham a tristeza sentida “pela sua família e […] por toda a comunidade islâmica de Mansoa e Guiné”.11
Em outubro de 2021, uma Igreja pentecostal independente, a Igreja Assembleia de Deus (IAD), foi criticada por múltiplos líderes religiosos muçulmanos e católicos pelos seus ataques divisionistas e sectários, particularmente através de transmissões na Rádio Luz, filiada na IAD. De acordo com os líderes religiosos, a programação tentava provocar a juventude e desestabilizar as relações tradicionalmente pacíficas.12
Em dezembro de 2021, após um encontro entre o primeiro-ministro Nuno Gomes Nabiam e outros líderes religiosos, o recém-nomeado bispo de Bissau, José Lampra Cá, apelou a um entendimento entre os líderes políticos, observando que a Guiné-Bissau pertence a todo o seu povo. O presidente Umaro Sissoco Embaló não apreciou as palavras do bispo, afirmando que os clérigos não têm qualquer papel na política. Reagindo à declaração do presidente, um clérigo católico, o padre Mutna Tambá, perguntou por que é que um imã tem assento no Conselho de Estado se não há lugar para os clérigos na arena política. O presidente acabou por participar na entronização do bispo Lampra Cá, em janeiro de 2022, dizendo que não havia qualquer disputa entre ele e o prelado.13
No dia 1º de fevereiro de 2022, o presidente Embaló sobreviveu a uma tentativa de golpe de Estado liderada por um grupo armado. Calcula-se que morreram 11 pessoas durante o ataque a edifícios estatais, ataque que o presidente atribuiu a traficantes de droga.14 Na sequência da violência, as autoridades teriam reprimido os grupos que questionaram a versão do Governo sobre os acontecimentos. Como consequência, as organizações locais de direitos humanos e os meios de comunicação social independentes denunciaram a deterioração da situação de segurança, a intimidação contra os defensores dos direitos humanos, e a ameaça à liberdade de imprensa.15
Em julho de 2022, uma igreja católica na paróquia de Santa Isabel foi atacada na parte oriental da Guiné-Bissau. Os criminosos destruíram imagens religiosas e um crucifixo, e a imagem de Nossa Senhora de Gebra foi também esmagada.16 Esse foi o primeiro ataque do gênero, o que chocou o país, especialmente depois de terem sido publicadas imagens nas redes sociais. Para o pároco, o padre Paulo de Pina Araújo, o ódio, seja religioso ou político, estava por detrás do ataque.17
O presidente da Confederação da Juventude Islâmica, Hamza Seidi, denunciou o ataque afirmando: “Condenamos veementemente este ato, porque nada o justifica. A Guiné-Bissau é um país secular e não podemos permitir que tal ato aconteça neste país. Por conseguinte, exigimos que as autoridades competentes investiguem e responsabilizem as pessoas envolvidas neste ato, que consideramos terrorista”.18
Pela sua parte, o presidente Embaló minimizou o incidente, afirmando: “Quantas vezes foram aqui assaltadas mesquitas? Se uma igreja foi assaltada, só temos de deixar a polícia fazer o seu trabalho. Uma igreja foi vandalizada, isso é assim tão importante? Com que frequência são roubados relógios, ventiladores ou ar-condicionado das mesquitas? Mesmo no Vaticano, ou em Meca, há casos de roubo, será isso um problema assim tão grave?”.19
Perspectivas para a
liberdade religiosa
A situação dos direitos humanos piorou na Guiné-Bissau em resultado da deterioração da segurança e das atividades dos cartéis de tráfico de drogas, ainda mais após a tentativa de golpe de Estado. As preocupações com a segurança não afetaram, contudo, diretamente qualquer instituição ou grupo religioso. Isto deve-se muito provavelmente à força das práticas religiosas tradicionais no país, bem como ao interesse dos políticos em garantir a segurança dos grupos religiosos, uma vez que a religião é utilizada para proveito político.20 No entanto, mais preocupantes para a liberdade religiosa são as ligações entre grupos armados na Guiné-Bissau e os grupos terroristas AQIM, MUJAO e Ansar al-Din.21 Isto reflete-se internamente em sinais de um crescimento do extremismo entre alguns muçulmanos guineenses, como no apoio financeiro de grupos radicais a mesquitas e escolas locais. Juntamente com o ataque à Igreja Católica no Gabu em 2 de julho – o primeiro ataque desse tipo a qualquer local de culto na Guiné-Bissau – esses fatores sugerem uma ameaça crescente ao Islamismo tradicionalmente moderado da Guiné-Bissau e as relações positivas entre as principais tradições religiosas do país. Reforçando essa preocupação estão formas ocasionais de evangelização agressiva por parte de alguns grupos pentecostais independentes, como a Igreja Assembleia de Deus.22 Desta vez, as perspectivas para liberdade religiosa são negativas.
Notas e
Fontes
1 Guinea-Bissau 1984 (rev. 1996), Constitute Project, https://www.constituteproject.org/constitution/Guinea_Bissau_1996?lang=en (acessado em 4 de maio de 2022).
2 Ibid.
3 Gabinete para a Liberdade Religiosa Internacional, 2021 Report on International Religious Freedom: Guinea-Bissau, Departamento de Estado Norte-Americano, https://www.state.gov/reports/2021-report-on-international-religious-freedom/guinea-bissau/ (acessado em 24 de julho de 2022).
4 Ibid.
5 Ibid.
6 Favarato, Claudia, “Traditional religion in Guinea Bissau political culture”, janus.net, novembro de 2018, https://www.researchgate.net/publication/328586892_Traditional_religion_in_Guinea_Bissau_political_culture (acessado em 24 de julho de 2022).
7 “Governo da Guiné-Bissau suspende apoio a muçulmanos durante o Ramadã”, Deutsche Welle, 13 de abril de 2021, https://www.dw.com/en-002/governo-da-guin%C3%A9-bissau-suspende-apoio-a-mu%C3%A7ulmans-during-ramad%C3%A3o/a-57181019 (acessado em 24 de julho de 2022).
8 Gabinete para a Liberdade Religiosa Internacional, op. cit.
9 Ibid.
10 “Guinea Bissau: Death of the Imam of Mansoa is a blow to Muslims and Christians”, Vatican News, 21 de agosto de 2021, https://www.vaticannews.va/en/africa/news/2021-08/death-of-iman-ustas-aladji-bubacar-djalo-his-commitment-to-dia.html (acessado em 3 de fevereiro de 2022).
11 “Death of Iman Ustas Aladji Bubacar Djalo: ‘His commitment to dialogue will not be forgotten’”, Agenzia Fides, 20 de agosto de 2021, http://www.fides.org/en/news/70667-AFRICA_GUINEA_BISSAU_Death_of_Iman_Ustas_Aladji_Bubacar_Djalo_His_commitment_to_dialogue_will_not_be_forgotten (acessado em 4 de maio de 2022).
12 Gabinete para a Liberdade Religiosa Internacional, op. cit.
13 Lusa, “Sissoco Embaló: ‘Sou um homem de fé e a igreja não pode fazer política'”, Deutsche Welle, 29 de janeiro de 2022, https://www.dw.com/pt-002/sissoco-embal%C3%B3-sou-um-homem-de-f%C3%A9-e-a-igreja-n%C3%A3o-pode-fazer-pol%C3%ADtica/a-60599006 (acessado em 24 de julho de 2022).
14 Dabo, Alberto, “Guinea- Bissau president: Failed coup may have been linked to drug trade”, Reuters, 2 de fevereiro de 2022, https://www.reuters.com/world/africa/heavy-gunfire-heard-near-guinea-bissau-presidential-palace-2022-02-01/ (acessado em 3 de fevereiro de 2022).
15 “Guinea-Bissau: Serious deterioration of the security situation of civil society amidst the attempted coup”, Federação Internacional para os Direitos Humanos (FIDH), 3 de março de 2022, https://www.fidh.org/en/region/Africa/guinea-bissau/guinea-bissau-serious-deterioration-of-the-security-situation-of (acessado em 24 de julho de 2022).
16 “Catholics in Guinea-Bissau unsettled by vandalism of a church”, ACN International, 8 de julho de 2022, https://acninternational.org/guinea-bissau-vandalism-of-a-catholic-church/ (acessado em 24 de julho de 2022).
17 “Vandalização de igreja católica na Guiné-Bissau gera inquietação”, Deutsche Welle, 14 de julho de 2022, https://www.dw.com/pt-002/vandaliza%C3%A7%C3%A3o-de-igreja-cat%C3%B3lica-na-guin%C3%A9-bissau-gera-inquieta%C3%A7%C3%A3o/a-62352003 (acessado em 24 de julho de 2022).
18 Arnold Neliba, “President Issues Controversial Remarks on Gabu Church Attack”, CISA, 8 de julho de 2022, https://cisanewsafrica.com/guinea-bissau-president-issues-controversial-remarks-on-gabu-church-attack/ (acessado em 24 de julho de 2022).
19 “Catholics in Guinea-Bissau unsettled by vandalism of a church”, ACN International, op. cit.
20 Favarato, Claudia, op. cit.
21 “Guinea-Bissau Country Report”, Crisis24, https://crisis24.garda.com/insights-intelligence/intelligence/country-reports/guinea-bissau.
22 Shingange, Themba, “African Pentecostal Mission and New Religious Movements – A critical scrutiny of threats and opportunities to evangelization in dialogue with Allen Heaton Anderson”, Missionalia (Online) vol.49 n.1 Pretoria 2021, http://www.scielo.org.za/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0256-95072021000100003 (acessado em 24 de julho de 2022).