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Mathieu em Burkina Faso: Fé sob Terror

Publicado em: abril 10th, 2025|Categorias: Notícias|Views: 146|

“Seiscentos e noventa e oito, seiscentos e noventa e nove, setecentos.” Mathieu passa pedrinhas de uma mão para a outra. Setecentas no total, uma para cada Ave-Maria rezada naquela noite. Uma noite que, para ele, lembra o Getsêmani, o Jardim das Oliveiras, onde Jesus também se sentiu sozinho e abandonado pelos discípulos. Foi ali que Ele orou ao Pai, suplicando forças para suportar a dor até o fim, transformando o sofrimento em redenção.

Mathieu passou quatro meses em cativeiro, dia e noite, nas mãos de terroristas, em uma região esquecida por Deus entre Mali, Burkina Faso e Níger. Ao seu lado estava Pauline, sua esposa, grávida de cinco meses no momento do sequestro. Esse episódio tornou o Getsêmani de Mathieu ainda mais doloroso, marcado por medo, incertezas e sofrimento profundo.

O catequista compartilhou seu testemunho com a ACN durante uma visita a Burkina Faso. Pauline não o acompanhou, pois reviver essa história ainda é um trauma difícil de enfrentar.

A missão de ser catequista em Burkina Faso

Quando decidiu se tornar catequista em 2003, Mathieu jamais imaginava o que o futuro lhe reservava. Na África — e especialmente em Burkina Faso — os catequistas têm um papel essencial. Casais se preparam por até quatro anos para servir em regiões remotas. Eles guiam a comunidade católica na vida diária, preparam fiéis para os sacramentos, conduzem orações dominicais e mantêm contato com padres que podem estar a dezenas de quilômetros de distância.

“Lembro que vivíamos em paz, cultivávamos a terra e criávamos alguns animais. Em 2018, Baasmere — a comunidade onde atuávamos desde 2015 — sofreu seu primeiro ataque. Não havia escola, então meus filhos só voltavam nas férias. Quando chegamos à vila, já havia alguns conflitos na região, mas os terroristas só atacavam alvos militares e delegacias”, relembra.

A pequena vila de Baasmere, pertencente à paróquia de Aribinda e à Diocese de Dori (no norte de Burkina Faso), abrigava uma comunidade católica de cerca de 150 a 200 fiéis.

O primeiro aviso dos extremistas para Mathieu

“Em 2018, um grupo veio à minha casa e me mandou parar de rezar e organizar celebrações religiosas. Eles não estavam armados e vestiam roupas comuns. Reconheci alguns deles. Disseram: ‘Se continuar a fazer o que está fazendo, coisas ruins vão acontecer com você’”, conta Mathieu.

Antes de partir, o grupo incendiou lojas de bebidas alcoólicas, aterrorizando os moradores da vila. “Eu também tive medo”, admite o pai de cinco filhos. “Mas pensei: não posso parar de anunciar a Palavra de Deus, é por isso que estou aqui. Então, continuei com meu ministério.” Os extremistas também abordaram representantes de outras religiões. “Eles disseram que não queriam cristãos rezando ali”, relataram a Mathieu logo depois.

Dias depois, o grupo voltou, agora com rostos desconhecidos. “Esses eu já não conhecia, e me acusaram de continuar rezando e conduzindo celebrações.” Após essa segunda ameaça, os catequistas locais se reuniram com o padre e o bispo. Decidiram permanecer na região, mas de forma mais discreta — realizando orações mais cedo, por exemplo. Mathieu enviou Pauline com os filhos para um local mais seguro.

O sequestro de Mathieu no sábado de Pentecostes

No sábado anterior à festa de Pentecostes, Pauline voltou a Baasmere para passar a celebração com Mathieu. Era 20 de maio de 2018. Após a Liturgia da Palavra, os fiéis voltaram para suas casas. Ao meio-dia, enquanto descansava, Mathieu teve a casa invadida por dez homens armados e encapuzados.

“Por que ainda está aqui?”, perguntaram. “Sou catequista, é meu dever”, respondeu. Ele foi jogado no chão, vendado e amarrado. Enquanto escutava seus pertences sendo destruídos e queimados, foi colocado na garupa de uma moto, entre dois terroristas.

“Pensei que fosse morrer”, relembra. “Amarraram minhas mãos com tanta força que perdi a sensibilidade nos pulsos por um mês.” Vendado, Mathieu não percebeu que Pauline também estava no comboio. Grávida, ela pediu para não ser amarrada, mas os sequestradores ignoraram e prenderam mãos e pés. “Depois da primeira noite, tiraram a venda e me desamarraram, e foi então que percebi que ela também estava lá. Foi horrível. Mas não me deixaram falar com ela durante toda a viagem.” Dormiram ao relento e seguiram até um ponto onde permaneceram por uma semana. Depois foram para o local onde ficaram por quatro meses. Mathieu ainda não sabe onde esteve preso, nem em qual país.

Tortura psicológica e resistência pela fé

Ao chegar ao destino final, foi levado ao líder do grupo, um homem árabe, não local. Exigiram que ele se divorciasse da esposa. “Todos os dias diziam que iam me matar. ‘Normalmente cortaríamos sua garganta, mas você pode escolher como prefere morrer’, diziam. Era aterrorizante.”

Eles queimaram todas as suas roupas e pertences, lhe deram um nome muçulmano e roupas islâmicas, e começaram a ensiná-lo sobre o Islã. “Durante todo esse tempo, nunca deixei de rezar. Lembro de uma noite em que rezei setecentas Ave-Marias, contei com pedrinhas. Naquele momento, a oração era a única coisa que me sustentava. Nunca nos sentimos abandonados por Deus. Rezar o terço todos os dias me dava força.” Com expressão contida, Mathieu resume o sofrimento vivido: “Eles não nos trataram bem, sofremos muito.”

Com o tempo, ao perceberem que ele não se converteria, os membros do grupo passaram a discutir entre si. “Alguns diziam que deviam nos matar, outros que deviam nos libertar. Finalmente, um dia disseram que estávamos livres para ir embora.”

A dor da liberdade

A caminhada de volta levou duas semanas. Abandonados no meio do nada, foram ajudados por um pastor que os levou até um carro. Do carro, foram direto para o hospital. Pauline foi atendida, mas infelizmente, o bebê já estava sem vida. Com olhos marejados, Mathieu fala da dor com tristeza serena. Aquele momento marcou profundamente os dois.

Apesar de tudo, Mathieu decidiu retornar à sua casa em Baasmere. Tudo havia sido destruído. Mas, entre as cinzas, encontrou dois objetos: sua identidade e sua Bíblia. “Foi muito emocionante, porque essa era a Bíblia que o bispo me deu quando fui comissionado como catequista”, diz, antes de silenciar, como se ainda sentisse a presença de Deus ali.

Por que não se converter?

A pergunta inevitável: por que não se converter? Isso teria poupado tanto sofrimento. A resposta vem com a mesma firmeza e fé que o acompanharam por todo o relato:

“Jamais poderia mentir para Deus. É melhor ser fiel a Deus do que aos homens. Precisamos dar testemunho e anunciar Aquele que seguimos — e ser fiéis a Ele.”

Como Jesus no Getsêmani, Mathieu enfrentou o medo, o abandono e a escuridão. Mas, como os discípulos após a Ressurreição, ele não parou por aí. Quando o bispo perguntou se queria se aposentar após tudo que sofreu, ele respondeu com convicção: “Não quero parar. Quero continuar a servir o meu povo.”

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