Entrevista com a Vossa Eminência Cardeal Mauro Piacenza, presidente internacional da Fundação Pontifícia ACN – Ajuda à Igreja que Sofre.
Cardeal Piacenza
Considero a iniciativa, em si mesma, bastante louvável e a apoio veementemente. No entanto, é importante que tudo isso seja acompanhado por uma compreensão dos valores nos quais a iniciativa se baseia. Caso contrário, corre-se o risco de o evento ser mal compreendido e associado a contextos seculares, o que aconteceu com a iluminação do feriado do Natal. Nos locais relacionados ao martírio de São Thomas Becket, São Thomas More e São John Fischer, podemos entender melhor o valor do martírio, também como demonstração de dignidade humana, liberdade religiosa e a nobreza de uma consciência formada. O Martirológio (martirologia oficial da Igreja Católica – nota do editor) deve-se tornar um livro importante uma vez que a Igreja passa por constante renovação.
Sim, o Papa Francisco nos lembrou de forma muito eficaz que “silenciar e manter silêncio são também um pecado”! Seguindo esse pensamento do Santo Padre, a ACN condena a violência contra os cristãos e se levanta em defesa dos cristãos perseguidos para aliviar o sofrimento deles. A voz da nossa instituição é a de um profeta que diz e provoca as pessoas a fazerem o que precisa ser feito: alimentar aqueles que estão com fome de pão e justiça e ver Jesus neles. Rezamos com fé profundae depois agimos para abrir os corações das pessoas para secar as “lágrimas de Deus”, não importa onde Ele as derrame. Ensinamos a amar até o perseguidor e a compreender a Igreja como um corpo em que, é claro, a partir do centro, cada membro está conectado aos outros. As famílias, paróquias, vários grupos e instituições educacionais também devem ser vistos como instrumentos e ajudar a alcançar uma compreensão abrangente sobre este assunto.
Trata-se também de um discurso cultural abrangente. Há alguns países neste mundo, incluindo alguns localizados não muito longe de nós, em que a perseguição real está ocorrendo. É também uma perseguição sutil, uma perseguição que não deixa vestígios. Porque é uma verdadeira “limpeza sistêmica” de tudo o que é cristão ou até do que parece ter algo a ver com o cristianismo.
Até mesmo aí, onde essa perseguição ainda não se transformou em violência física, ela tem um efeito devastador e, portanto, não é menos agressiva. Tal tentativa sistêmica está sendo feita para negar a legitimidade de qualquer coisa que seja cristã, em plano histórico, artístico e ou social.
Em primeiro lugar, é um dever de consciência. Não esqueçamos que o mártir cristão também é elemento autêntico de civilidade, uma lição de verdadeira liberdade e amor.
A cor do sangue que se projeta sobre os grandes monumentos nos recorda que os mártires cristãos expiam, para Cristo, com Cristo e em Cristo, em favor de todos os homens, inclusive – e isso é o que distingue o martírio cristão de outros “Martírios” – em favor daqueles que são instrumentos do seu martírio! E é por isso que elevamos nossas vozes a Deus em louvor por esses irmãos, que entraram no esplendor do Paraíso com palmas em suas mãos, sendo coroados com a incorruptível coroa de glória. Nós percebemos que a salvação incomparável que Cristo ganhou para nós na cruz também nos é concedida hoje através deles: o cristianismo tem uma dimensão estruturalmente martirológica que não diminui seu efeito e poder, mas o fortalece e o torna ainda mais fértil em sua fé, amor e perseverança. Nós também não podemos nos esquecer que os ideais que morrem são aqueles, justamente, que não há ninguém que morra por eles!