Durante uma visita à sede da ACN, o bispo Aurelio Gazzera — coadjutor da Diocese de Bangassou desde 2023 — destacou os avanços significativos na reconciliação religiosa entre cristãos e muçulmanos na República Centro-Africana.
Conflitos religiosos e o caminho para a reconciliação
Afinal, por anos, o país foi palco de conflitos entre duas grandes milícias: Seleka, uma coalizão de grupos rebeldes de maioria muçulmana, e Anti-Balaka, uma milícia formada inicialmente como defesa contra a Seleka, composta por combatentes cristãos e animistas. Atualmente, há vários grupos armados ativos, com formações variadas, muitos deles originários dessas duas forças. Mas, apesar da instabilidade ainda presente, a convivência entre fiéis das duas religiões reflete os frutos do trabalho de quem tem promovido o diálogo e a paz.
“Hoje, as relações entre cristãos e muçulmanos são razoavelmente boas. Todos tomam muito cuidado para não reacender os conflitos. Aprendemos com a história”, afirma Dom Gazzera. “Fiquei profundamente emocionado ao ver o imã local participando da Missa de Natal na paróquia onde celebrei.”
Com mais de 30 anos de missão na região, o bispo lembra que, embora o conflito tenha sido apresentado em 2013 como uma guerra religiosa, essa narrativa não reflete a realidade. “Foi, acima de tudo, um conflito étnico e político, apesar de envolver pessoas de diferentes religiões”, explica.
Coragem religiosa e proteção aos muçulmanos
Dom Gazzera recorda a bravura de religiosos católicos que, durante os momentos mais tensos da guerra, protegeram muçulmanos em risco. Em um episódio marcante, uma ordem religiosa acolheu refugiados muçulmanos em sua escola. Quando militantes Anti-Balaka invadiram o local, uma das irmãs enfrentou o líder da milícia:
“‘Você é um criminoso! Não tem o direito de entrar em um lugar de refúgio. Você deve deixá-los ir’, ela disse — arriscando a própria vida. E ele obedeceu.”
Visita do Papa Francisco e fortalecimento do diálogo inter-religioso
A visita do Papa Francisco a Bangui, em 2015, teve um impacto profundo nessa reconciliação. Na época, o país vivia um clima de ódio e retaliação. Mesmo assim, o pontífice insistiu em ir.
“Durante a Missa no estádio, em 30 de novembro de 2015, a entrada do imã Omar Kobine Lamaya, presidente do Alto Conselho Islâmico do país, foi celebrada com entusiasmo pelos fiéis — um momento inesquecível de fraternidade”, relembra o bispo.
Esse gesto simbólico, junto com a presença do Papa, ajudou a promover o diálogo entre religiões em um momento crítico.
Um futuro de paz e solidariedade com a reconciliação
Ao celebrar 130 anos de evangelização na República Centro-Africana, Dom Gazzera compartilha seu desejo para o país: “Meu sonho é que a República Centro-Africana encontre a paz, e que sua população viva com dignidade e solidariedade. Este país tem muito a oferecer, se todos trabalharmos juntos.”
Ele destaca o legado de Barthélemy Boganda, primeiro sacerdote do país e considerado o pai da nação:
“Boganda tinha uma grande visão. Seu lema — unidade, dignidade e trabalho — continua atual e necessário.”
Igreja e nação contra a divisão
Em uma carta pastoral divulgada no início do ano, os bispos centro-africanos reforçam a importância de valorizar as diferenças étnicas e religiosas como “uma fonte de enriquecimento mútuo e, acima de tudo, um reflexo da identidade de Deus, que é Trindade — três Pessoas em uma só natureza”.
A mensagem conclui com um apelo à Igreja e à sociedade: eliminar os focos de divisão e tribalismo para construir uma nação mais unida.
Eco do Amor
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