O período da Quaresma nos proporciona uma excelente oportunidade, uma vez mais, para aprofundar nossa vida interior, para fazer mais boas obras, buscar o perdão de Deus e tentar curar relacionamentos quebrados. Durante este tempo, as leituras das escrituras nos lembram que aqueles que retornam ao Senhor, mesmo que estejam despedaçados pelo pecado, Ele os curará, cuidará de suas feridas e os trará para uma vida espiritual saudável.

Batizados em Cristo, somos uma nova criação. Não há mais judeus, gregos ou gentios, escravos ou livres (Gálatas 3,28). Precisamos mostrar nossa novidade em Cristo concretamente durante a Quaresma através do nosso amor uns pelos outros. Se dizemos: “Jesus, nós te amamos”, mas olhamos para baixo ou discriminamos os nossos irmãos ou irmãs, quer com base na religião, tribo ou região de onde vêm, não estamos amando com o amor incondicional que Jesus nos pede.

A beleza do cristianismo é que ele quebra as barreiras, derruba as paredes erguidas por preconceitos étnicos ou regionais. Se damos as boas-vindas a Deus, mas deixamos de receber nossos irmãos e irmãs, somos apenas cristãos pela metade. Quando o jovem rico perguntou a Jesus como ganhar a vida eterna, Jesus respondeu que é pelo amor a Deus e ao próximo (Lc. 18). São João aponta que se você diz que ama a Deus, mas odeia seu irmão ou irmã, você é um mentiroso (cf 1Jo 4,20) e São Tiago avisa que se você vir seu irmão ou irmã com fome e diz a ele: “passe bem e vá em paz”, sem fornecer alimento para ele ou ela, você não pode ser considerado um bom cristão (ver Tiago 2,16). Queremos ser plenamente cristãos, não meio cristãos. Exorto-vos a que, à medida que continuem a trabalhar arduamente na e para a Igreja, lembrem-se de, qualquer ser humano que encontrem, estejam preparados para sacrificar o seu tempo, talento e recursos para o ajudar.

Estão a ser feitos muitos esforços para fomentar a paz, acabar com a violência e garantir a ordem e a fraternidade em diferentes partes da Nigéria, onde hoje os mal-entendidos baseados em razões religiosas, étnicas ou econômicas nos causam muitos problemas. Precisamos de um diálogo mais genuíno entre as fronteiras étnicas, religiosas e políticas. A palavra “diálogo” felizmente tornou-se uma palavra familiar hoje. Houve uma época em que até mesmo alguns líderes religiosos altamente posicionados e líderes políticos viam aqueles que falavam ou promoviam o diálogo como pessoas acomodadas. Ensinar os jovens a serem hostis aos que são chamados de seus inimigos, em vez da cultura do diálogo, levou alguns de nossos jovens a recorrer à violência diante da menor provocação, razão pela qual testemunhamos a violência intra e extra-étnica / religiosa. Os pais devem ensinar seus filhos a serem embaixadores da paz e não da guerra. As facas, as espadas, as bombas e as armas não trouxeram a vitória a ninguém. Quando ouvimos falar de jovens do Nordeste, Sudeste e da área do Delta do Níger que ameaçam destruir a economia, a unidade e até a existência corporativa desta nação, a questão é se eles conhecem as implicações da guerra? Apesar de tudo que eles se gabam, ninguém realmente ganhou uma guerra neste país. Somos todos perdedores depois de cada guerra. Qualquer guerra que combatamos só nos levará de volta social e economicamente para aqueles dias escuros de sobrevivência do mais apto. Temos experimentado os efeitos tristes da guerra. Assim, por que tentar seguir por este caminho novamente? É ótimo que tenhamos hoje muitas ONGs que trabalham para o diálogo, a reconciliação e a paz. Continuemos conversando uns com os outros frequentemente, abertamente e sinceramente, assim, a paz virá e permanecerá.

Nossa religião cristã nos ensina a nos importarmos com os outros, superando o mal com o bem (Rom 12,21). O Bom Samaritano é um exemplo de amor além das fronteiras (Lc 10). A Carta de Filipenses, no capítulo 2, nos diz para considerarmos primeiro o interesse dos outros. No capítulo 18, 9-14 do Evangelho de Lucas, lemos sobre o publicano e o fariseu arrogante, vaidoso e egocêntrico que foi orar. A lição aqui é que Jesus não quer uma vida cristã egocêntrica. Ele quer que nos preocupemos com o bem-estar espiritual e material e a salvação de todos. Se fizermos isso bem, estamos evangelizando. Todo cristão batizado é missionário, participando da tríplice missão de Cristo: profeta, sacerdote e Rei. Para ser um missionário eficaz, devemos experimentar a graça da conversão e ter um encontro pessoal com o Senhor Jesus, e então poderemos contribuir mais significativamente para o bem-estar dos outros.

O Tempo da Quaresma nos chama para nos voltarmos ao Senhor Deus para que ele tire de nós toda a nossa iniquidade. Somos convidados a passar por uma mudança interior, a tomar a luz de uma tocha e fazê-la brilhar em nossos corações. Ficaremos surpresos com o que poderemos ver lá. Não somos apenas chamados à conversão espiritual, mas também a trabalhar para a transformação social e política, a desenvolver uma atitude melhor em relação ao trabalho, ao uso dos recursos materiais e do tempo e a ser sensíveis às necessidades dos outros, especialmente os mais desfavorecidos e marginalizados.

Por que temos tantas Igrejas nascendo a cada dia e ainda assim nossa sociedade sofre de tantas doenças sociais? A razão simples é que muitos que professam a religião não são religiosos. Tal como acontece com outras religiões, assim também no cristianismo se descobre que vários cristãos o são apenas nominalmente: alguns sentam-se na cerca, alguns seguem as palavras de Fela, o falecido músico afro, que cantava “sigam sigam”. Muitos são apenas seguidores curiosos, seguidores não comprometidos e muito poucos são discípulos genuínos. Os verdadeiros discípulos ficaram com Jesus até o Calvário e continuaram com sua missão, até mesmo com maior paixão após sua morte. Um verdadeiro cristão é um discípulo que se esforça todos os dias para fazer o que é agradável a Cristo. Ele ora frequentemente nos termos mais simples: “Jesus, eu te amo”, não procurando visões ou milagres. Ele faz boas obras como Jesus, pratica as obras corporais de misericórdia e desenvolve o hábito de ficar com Jesus durante a Missa, ou na adoração eucarística ou através de obras de caridade com os necessitados, oferecendo uma mão amiga, como Simão de Cirene ajudou a carregar a cruz de Jesus.

Todos nós devemos fazer a diferença na vida sociopolítica de nossa nação. Fé e trabalho devem se misturar de maneira saudável, mas não de forma fanática, como com aqueles que tentam promover a religião, mas são insensíveis ao bem comum. Devemos testemunhar sobre a bondade de nossa religião e usar os valores de nossa religião para melhorar os serviços sociais, mas não para atrair as pessoas, forçá-las e intimidá-las para se juntarem à nossa religião. A conversão resultante do medo, ou da coação, ou de uma promessa de riqueza material é de fato ridicularizar a religião.

Nossa sociedade contemporânea poluída pelos vícios sociais precisa de renovação. O pecado é racionalizado. A violência é institucionalizada. Que o Senhor nos dê a graça de sermos jogadores ativos para limpar o rosto de nossa sociedade distorcida, ensanguentada e corrompida, e que possamos experimentar a misericórdia de Deus poderosamente durante esta Quaresma e mais além.

Dom Ignatius A. Kaigama, Arcebispo de Jos, Nigéria

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Um comentário

  1. Aparecida 8 de abril de 2017 at 17:46 - Responder

    As palavras de Deus inspiradas pelo seu Santo Espírito são sempre conforto para nossos corações. Obrigada D. Ignatius!

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