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Reconstruindo o lar dos cristãos no Iraque

25 de julho de 2018

“O EI (grupo terrorista autodenominado Estado Islâmico) tentou tomar o mosteiro. Em agosto de 2014, estávamos convencidos de que teriam sucesso”, disse o Arcebispo Timotheos Moussa Al-Shamani; ele é o abade do mosteiro ortodoxo sírio Mar Matti, fundado no século IV, um dos mais antigos do mundo. Os monges fugiram, mas retornaram logo após terem superado o choque inicial. Centenas de refugiados cristãos no Iraque viveram com eles por meses – a apenas alguns quilômetros em linha direta com seus piores inimigos. “Nunca conseguiram tomar nosso mosteiro. Deus estava conosco”.

As trincheiras cavadas pelos combatentes do EI ao pé da montanha ainda estão lá. Este é o lugar onde eles e os soldados da Peshmerga, as forças militares do Curdistão iraquiano, se enfrentaram por mais de dois anos. Os combatentes do EI frequentemente disparavam no mosteiro. Durante os maus tempos, eles tentaram tomar o mosteiro várias vezes; mas foram impedidos pela coalizão liderada pelos EUA. Desde o final de 2016, as aldeias e cidades têm sido liberadas, uma por uma, do poder do EI; bem como toda a Planície de Nínive. Desse modo, o mosteiro não está mais em perigo.
Mas, como estão os fiéis?

Arcebispo Timotheos Moussa Al Shamani

A situação hoje

A expressão de Dom Moussa fica abatida. “Antes da chegada do EI em 2014, mais de 5 mil famílias cristãs viviam em minha diocese. Hoje, entretanto, há no máximo 2.300. Todas as demais deixaram o país”. O arcebispo suspeita que isso faça parte de um plano maior para expulsar os cristãos do Oriente Médio. “Tudo começou em 1975 no Líbano e depois continuou no Iraque, Egito e Síria”. No entanto, ele prefere não aprofundar o tema.

Em resposta às declarações feitas em outubro de 2017 por Mike Pence, vice-presidente dos Estados Unidos, sobre os planos dos EUA de enviar ajuda diretamente às minorias perseguidas no Iraque em vez de ter intermédio da ONU, o Arcebispo Moussa acena sem muita esperança. “Não precisamos de palavras. Eu nem consigo contar com quantos embaixadores e políticos ocidentais eu já falei. O que nós cristãos no Iraque precisamos é de ação”.

Perigo de extinção dos cristão no Iraque

Dom Moussa parece abatido enquanto fala sobre suas reuniões com os que estão no poder do governo provincial e da polícia iraquiana. De acordo com o arcebispo, ele foi recebido calorosamente e foi ouvido atentamente enquanto falava das preocupações de sua comunidade. Mas nada aconteceu, exceto uma xícara de café. “Paz, segurança, empregos: ninguém quer ficar sem eles. Não posso me opor a nenhum chefe de família se ele quiser procurar um futuro melhor para si e para os seus em outros países. Apesar de não recomendarmos a emigração para ninguém, também não lhes dizemos para não irem. É uma decisão pessoal”.

Dom Moussa acredita ser uma possibilidade real que sua comunidade ortodoxa siríaca eventualmente desapareça. “Já tivemos uma comunidade florescente em Tur Abdin, no sudeste do que hoje é a Turquia. Agora, tudo o que resta são algumas igrejas vazias. Nesse sentido, isso poderia acontecer aqui também”. O bispo já está ciente do próximo problema que terá que enfrentar. Ele nos diz: “Dirija até Bartella e pergunte sobre os Shabak (minoria étnica e religiosa)”.

Outra minoria étnica

O jipe ​​nos leva de volta pela estrada sinuosa até o vale. Rebanhos de ovelhas pastam na terra seca à esquerda e à direita da estrada. Este ano, com uma seca severa, há ainda menos para comer do que o habitual. Além disso, tivemos que passar por um posto de controle curdo para entrar nas partes do Iraque controladas pelo governo central em Bagdá. Continuamos mais uns 20 ou 30 km através do mosaico étnico do norte do Iraque. É aqui que moram os turcomanos, cristãos, árabes sunitas e yazidis. Já o grupo étnico shabak foi estimado em ser formado por 400 mil membros até 2014. A maioria deles vivia na Planície de Nínive.

As aldeias habitadas principalmente pelos shabak são visivelmente mais humildes e precárias do que as de outros grupos, como os cristãos. Os shabak também foram vítimas do ódio do EI. O grupo Estado Islâmico trata os muçulmanos xiitas, os rafida – “aqueles que rejeitam” – com um desprezo ainda maior do que com os cristãos. Mas, diferente dos cristãos, os xiitas têm amigos poderosos. Não só em Bagdá, que é dominada por políticos xiitas; mas também aqui em Bartella, o líder supremo do Irã, o Aiatolá Ali Khamenei, se faz presente por meio de outdoors. Além disso, o embaixador iraniano já fez uma visita à aldeia querendo dizer: “Vocês podem contar conosco”.

Capela na igreja de Santa Maria em Qaraqosh

Capela na igreja de Santa Maria em Qaraqosh. A igreja foi danificada pelo EI e agora a oração retornou – Iraque, Junho de 2018.

Os shabak: o próximo problema

“Os shabak querem nossa terra”, diz Abuna Jakob. “Esse é o próximo problema”. O padre da comunidade ortodoxa siríaca de Bartella é sobrinho do Arcebispo Moussa. O EI foi o problema no passado. “Eu fui o último a sair em agosto de 2014 e a primeira pessoa a voltar”. O clérigo relembra como as lágrimas vieram aos seus olhos quando ouviu pela primeira vez os sinos tocarem novamente. Padre Abuna Jakob nos conduz através de sua igreja paroquial recém-reformada. Tudo brilha em um branco e dourado radiantes. Somente a capela carbonizada em um corredor lateral é uma lembrança dos jihadistas. “O lugar foi profanado pelo EI. Estamos deixando assim como uma lembrança do perigo”.

Dificuldades para permanecer

A vila foi libertada do EI em outubro de 2016. Mas agora há o problema dos shabak. Em 1980, havia apenas duas famílias shabak na aldeia, hoje seu número ultrapassa 20%; a tendência é que esse número cresça. Nesse sentido, na raiz desse micro-conflito demográfico está na alta taxa de natalidade dos shabak; como também o fato de que muitos cristãos estão dispostos a venderem suas terras por um preço barato. A Igreja está tentando evitar que seus membros deixem sua terra natal. Mas aqueles que já gastaram todas as suas economias no período de fuga, que já estão morando fora do país ou que querem emigrar para a Austrália, parecem não ter escolha. Permanecer por amor ao país é algo que a pessoa tem que poder pagar.

“Eu nunca vou vender minha terra para o Shabak“, diz Ibrahim resolutamente. O agricultor de 63 anos está vestido com o seu longo thawb, roupa tradicional usada pelos homens. Não há um traço cinza no preto imaculado de seu bigode e cabelo. Ele cultiva grãos e girassóis nas terras da sua família. Ademais, Ibrahim tem sete filhos – nenhum deles permaneceu no Iraque. “Eles estão na Turquia e na Europa. Eu continuo dizendo a eles que deveriam voltar, mas não querem porque não há empregos aqui, e nem segurança”.

Reconstruir: uma esperança

Ibrahim não nutre ilusões… “Em vinte anos, pode não haver cristãos aqui”. No entanto, o movimento ao redor indica o oposto. Em cada canto e esquina, as coisas estão sendo construídas, se ouve marteladas… os danos deixados pelo EI estão sendo assim reparados. À noite, o canto alto acompanha a música árabe tocada no restaurante da vila, tornando difícil manter uma conversa; kebab e frango chiam na grelha, e os jovens se reúnem, todos em alto astral. Quase cinco mil famílias cristãs retornaram – e as coisas voltaram ao que costumavam ser.

A reconstrução está sendo gerenciada pelo Comitê de Reconstrução de Nínive (NRC). O comitê está sediado na cidade vizinha, Baghdeda. Os otomanos a chamam de Qaraqosh, os árabes dizem Al Hamdaniya, e na língua aramaica dos cristãos nativos da região é Baghdeda. Até 2014, Baghdeda era a maior cidade cristã do Iraque. Cerca de 50 mil pessoas viviam lá. A porcentagem de cristãos no local era de 97%. Agricultura (de grãos) e avicultura trouxeram estabilidade para seus habitantes, principalmente para os cristãos católicos siríacos. Traços disso estão em toda parte, embora as casas em si estejam piores agora por conta dos ataques.

O trabalho do Comitê de Reconstrução de Nínive

Nós dirigimos por estradas esburacadas até os principais escritórios do NRC “Ahlan wa sahlan”, ou seja, ” Seja bem-vindo”, diz o Padre Georges Jahola e acena para que entremos no seu escritório. O padre católico siríaco nos mostra, então, mapas, tabelas e fotos aéreas de sua cidade. “Estamos reconstruindo nossa terra natal. É só o que temos. Há cristãos vivendo em Bagdá, Basra e Kirkuk. Mas esta é a única região que podemos realmente chamar de lar. Se a perdermos, perderemos mais do que terras e casas: perderemos de fato nossa identidade”.

O padre é auxiliado por uma equipe de engenheiros e jovens que ajudam a registrar os proprietários que vêm pedindo apoio. “Temos mais de 7 mil casas. Nós as dividimos em três grupos: ligeiramente danificadas, severamente danificadas e destruídas”. Nem todas as casas foram destruídas ou danificadas pelo EI. Muitas sofreram estragos durante a liberação. Outras tiveram danos pelos anos em que ficaram vazias. Quase todas foram saqueadas pelo EI e pelos habitantes das aldeias muçulmanas vizinhas. Assim, para reduzir os custos e envolver o povo na reconstrução, os proprietários também têm que arregaçar as mangas. Desse modo, eles arcam com um terço dos custos, se for possível. Além disso, o financiamento só é aprovado para aqueles que estão realmente aqui, morando em suas casas. Consequentemente, muitas pessoas começaram a voltar do Líbano e da Turquia novamente”, informa Padre Jahola.

“Se não fosse pelas casas, não haveria ninguém”

“Nosso pessoal estava dizendo no começo: ‘primeiro segurança, depois voltaremos’. Eu lhes respondi: ‘Quanto mais de vocês voltarem, melhor poderão proteger uns aos outros”. No entanto, devido à falta de segurança e emprego, o Padre Jahola sabe bem que somente a reforma das casas não garantirá que os cristãos permaneçam a longo prazo. Mas o esforço não é em vão: “Se não fosse pelas casas, não haveria ninguém”.

O apoio da ACN vale a pena

A reconstrução só é possível porque as organizações cristãs com iniciativa, sobretudo a ACN, estão contribuindo com milhões em doações. O estado iraquiano só existe aqui na bandeira e nos passaportes. “O governo não tem dinheiro, ou possui outras prioridades. Ninguém aparece por aqui. Estaríamos perdidos sem a ajuda de nossos companheiros cristãos no Ocidente”, diz Padre Jahola expressando sua gratidão.

Aimery de Vérac está feliz em ouvir isso. O francês trabalha como intermediário para a ACN e, portanto, tem vivido no Iraque nos últimos anos. “Ajudar essas pessoas me deixa muito feliz. Eles amam sua terra natal. Estamos comprometidos com a máxima transparência em nosso trabalho. Podemos contabilizar cada centavo que gastamos”. Segundo o francês, mais de 8.700 famílias já voltaram para a Planície de Nínive e mais de 4.300 casas voltaram a ser habitáveis. Cada vez que uma casa é concluída, a ACN dá aos proprietários uma muda de oliveira. A planta bíblica pretende ser um símbolo de esperança e futuro.

A história de Rabah

Rabah o marido vieram originalmente de Mosul

Rabah recebeu um pequeno Olivetree. Cada vez que uma casa é concluída, o ACN dá aos proprietários uma oliveira, planta bíblica pretende ser um símbolo de esperança e futuro.

Rabah também recebeu uma pequena árvore. Com cinquenta e poucos anos, ela tem três filhos. Ela e o marido vieram originalmente de Mosul e fugiram de lá para Baghdeda em 2006, depois que seu filho e sobrinho foram ameaçados por islamitas. O sobrinho então foi sequestrado, seu filho quase não escapou. No entanto, os islamitas chegaram com o EI à Baghdeda em 2014. Assim, a família fugiu mais uma vez. Depois de anos vivendo como refugiados no estado vizinho do Curdistão iraquiano, a família está de volta à sua casa desde julho de 2017.

“Nosso carro, nosso ouro: gastamos tudo o que tínhamos. Se a cidade não tivesse sido libertada, não sei o que teria acontecido conosco”, diz Rabah. Felizmente, sua casa sofreu apenas pequenos danos. Nenhum vestígio permaneceu, mas as feridas são profundas. “Meu marido e eu permaneceremos no Iraque, se Deus quiser. Isto é também o que nossos filhos querem; embora não tenham trabalho. Além disso, temo que a mesma coisa nos aconteça novamente; que o EI retorne”.

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“O EI (grupo terrorista autodenominado Estado Islâmico) tentou tomar o mosteiro. Em agosto de 2014, estávamos convencidos de que teriam sucesso”, disse o Arcebispo Timotheos Moussa Al-Shamani; ele é o abade do mosteiro ortodoxo sírio Mar Matti, fundado no século IV, um dos mais antigos do mundo. Os monges fugiram, mas retornaram logo após terem superado o choque inicial. Centenas de refugiados cristãos no Iraque viveram com eles por meses – a apenas alguns quilômetros em linha direta com seus piores inimigos. “Nunca conseguiram tomar nosso mosteiro. Deus estava conosco”.

As trincheiras cavadas pelos combatentes do EI ao pé da montanha ainda estão lá. Este é o lugar onde eles e os soldados da Peshmerga, as forças militares do Curdistão iraquiano, se enfrentaram por mais de dois anos. Os combatentes do EI frequentemente disparavam no mosteiro. Durante os maus tempos, eles tentaram tomar o mosteiro várias vezes; mas foram impedidos pela coalizão liderada pelos EUA. Desde o final de 2016, as aldeias e cidades têm sido liberadas, uma por uma, do poder do EI; bem como toda a Planície de Nínive. Desse modo, o mosteiro não está mais em perigo.
Mas, como estão os fiéis?

Arcebispo Timotheos Moussa Al Shamani

A situação hoje

A expressão de Dom Moussa fica abatida. “Antes da chegada do EI em 2014, mais de 5 mil famílias cristãs viviam em minha diocese. Hoje, entretanto, há no máximo 2.300. Todas as demais deixaram o país”. O arcebispo suspeita que isso faça parte de um plano maior para expulsar os cristãos do Oriente Médio. “Tudo começou em 1975 no Líbano e depois continuou no Iraque, Egito e Síria”. No entanto, ele prefere não aprofundar o tema.

Em resposta às declarações feitas em outubro de 2017 por Mike Pence, vice-presidente dos Estados Unidos, sobre os planos dos EUA de enviar ajuda diretamente às minorias perseguidas no Iraque em vez de ter intermédio da ONU, o Arcebispo Moussa acena sem muita esperança. “Não precisamos de palavras. Eu nem consigo contar com quantos embaixadores e políticos ocidentais eu já falei. O que nós cristãos no Iraque precisamos é de ação”.

Perigo de extinção dos cristão no Iraque

Dom Moussa parece abatido enquanto fala sobre suas reuniões com os que estão no poder do governo provincial e da polícia iraquiana. De acordo com o arcebispo, ele foi recebido calorosamente e foi ouvido atentamente enquanto falava das preocupações de sua comunidade. Mas nada aconteceu, exceto uma xícara de café. “Paz, segurança, empregos: ninguém quer ficar sem eles. Não posso me opor a nenhum chefe de família se ele quiser procurar um futuro melhor para si e para os seus em outros países. Apesar de não recomendarmos a emigração para ninguém, também não lhes dizemos para não irem. É uma decisão pessoal”.

Dom Moussa acredita ser uma possibilidade real que sua comunidade ortodoxa siríaca eventualmente desapareça. “Já tivemos uma comunidade florescente em Tur Abdin, no sudeste do que hoje é a Turquia. Agora, tudo o que resta são algumas igrejas vazias. Nesse sentido, isso poderia acontecer aqui também”. O bispo já está ciente do próximo problema que terá que enfrentar. Ele nos diz: “Dirija até Bartella e pergunte sobre os Shabak (minoria étnica e religiosa)”.

Outra minoria étnica

O jipe ​​nos leva de volta pela estrada sinuosa até o vale. Rebanhos de ovelhas pastam na terra seca à esquerda e à direita da estrada. Este ano, com uma seca severa, há ainda menos para comer do que o habitual. Além disso, tivemos que passar por um posto de controle curdo para entrar nas partes do Iraque controladas pelo governo central em Bagdá. Continuamos mais uns 20 ou 30 km através do mosaico étnico do norte do Iraque. É aqui que moram os turcomanos, cristãos, árabes sunitas e yazidis. Já o grupo étnico shabak foi estimado em ser formado por 400 mil membros até 2014. A maioria deles vivia na Planície de Nínive.

As aldeias habitadas principalmente pelos shabak são visivelmente mais humildes e precárias do que as de outros grupos, como os cristãos. Os shabak também foram vítimas do ódio do EI. O grupo Estado Islâmico trata os muçulmanos xiitas, os rafida – “aqueles que rejeitam” – com um desprezo ainda maior do que com os cristãos. Mas, diferente dos cristãos, os xiitas têm amigos poderosos. Não só em Bagdá, que é dominada por políticos xiitas; mas também aqui em Bartella, o líder supremo do Irã, o Aiatolá Ali Khamenei, se faz presente por meio de outdoors. Além disso, o embaixador iraniano já fez uma visita à aldeia querendo dizer: “Vocês podem contar conosco”.

Capela na igreja de Santa Maria em Qaraqosh

Capela na igreja de Santa Maria em Qaraqosh. A igreja foi danificada pelo EI e agora a oração retornou – Iraque, Junho de 2018.

Os shabak: o próximo problema

“Os shabak querem nossa terra”, diz Abuna Jakob. “Esse é o próximo problema”. O padre da comunidade ortodoxa siríaca de Bartella é sobrinho do Arcebispo Moussa. O EI foi o problema no passado. “Eu fui o último a sair em agosto de 2014 e a primeira pessoa a voltar”. O clérigo relembra como as lágrimas vieram aos seus olhos quando ouviu pela primeira vez os sinos tocarem novamente. Padre Abuna Jakob nos conduz através de sua igreja paroquial recém-reformada. Tudo brilha em um branco e dourado radiantes. Somente a capela carbonizada em um corredor lateral é uma lembrança dos jihadistas. “O lugar foi profanado pelo EI. Estamos deixando assim como uma lembrança do perigo”.

Dificuldades para permanecer

A vila foi libertada do EI em outubro de 2016. Mas agora há o problema dos shabak. Em 1980, havia apenas duas famílias shabak na aldeia, hoje seu número ultrapassa 20%; a tendência é que esse número cresça. Nesse sentido, na raiz desse micro-conflito demográfico está na alta taxa de natalidade dos shabak; como também o fato de que muitos cristãos estão dispostos a venderem suas terras por um preço barato. A Igreja está tentando evitar que seus membros deixem sua terra natal. Mas aqueles que já gastaram todas as suas economias no período de fuga, que já estão morando fora do país ou que querem emigrar para a Austrália, parecem não ter escolha. Permanecer por amor ao país é algo que a pessoa tem que poder pagar.

“Eu nunca vou vender minha terra para o Shabak“, diz Ibrahim resolutamente. O agricultor de 63 anos está vestido com o seu longo thawb, roupa tradicional usada pelos homens. Não há um traço cinza no preto imaculado de seu bigode e cabelo. Ele cultiva grãos e girassóis nas terras da sua família. Ademais, Ibrahim tem sete filhos – nenhum deles permaneceu no Iraque. “Eles estão na Turquia e na Europa. Eu continuo dizendo a eles que deveriam voltar, mas não querem porque não há empregos aqui, e nem segurança”.

Reconstruir: uma esperança

Ibrahim não nutre ilusões… “Em vinte anos, pode não haver cristãos aqui”. No entanto, o movimento ao redor indica o oposto. Em cada canto e esquina, as coisas estão sendo construídas, se ouve marteladas… os danos deixados pelo EI estão sendo assim reparados. À noite, o canto alto acompanha a música árabe tocada no restaurante da vila, tornando difícil manter uma conversa; kebab e frango chiam na grelha, e os jovens se reúnem, todos em alto astral. Quase cinco mil famílias cristãs retornaram – e as coisas voltaram ao que costumavam ser.

A reconstrução está sendo gerenciada pelo Comitê de Reconstrução de Nínive (NRC). O comitê está sediado na cidade vizinha, Baghdeda. Os otomanos a chamam de Qaraqosh, os árabes dizem Al Hamdaniya, e na língua aramaica dos cristãos nativos da região é Baghdeda. Até 2014, Baghdeda era a maior cidade cristã do Iraque. Cerca de 50 mil pessoas viviam lá. A porcentagem de cristãos no local era de 97%. Agricultura (de grãos) e avicultura trouxeram estabilidade para seus habitantes, principalmente para os cristãos católicos siríacos. Traços disso estão em toda parte, embora as casas em si estejam piores agora por conta dos ataques.

O trabalho do Comitê de Reconstrução de Nínive

Nós dirigimos por estradas esburacadas até os principais escritórios do NRC “Ahlan wa sahlan”, ou seja, ” Seja bem-vindo”, diz o Padre Georges Jahola e acena para que entremos no seu escritório. O padre católico siríaco nos mostra, então, mapas, tabelas e fotos aéreas de sua cidade. “Estamos reconstruindo nossa terra natal. É só o que temos. Há cristãos vivendo em Bagdá, Basra e Kirkuk. Mas esta é a única região que podemos realmente chamar de lar. Se a perdermos, perderemos mais do que terras e casas: perderemos de fato nossa identidade”.

O padre é auxiliado por uma equipe de engenheiros e jovens que ajudam a registrar os proprietários que vêm pedindo apoio. “Temos mais de 7 mil casas. Nós as dividimos em três grupos: ligeiramente danificadas, severamente danificadas e destruídas”. Nem todas as casas foram destruídas ou danificadas pelo EI. Muitas sofreram estragos durante a liberação. Outras tiveram danos pelos anos em que ficaram vazias. Quase todas foram saqueadas pelo EI e pelos habitantes das aldeias muçulmanas vizinhas. Assim, para reduzir os custos e envolver o povo na reconstrução, os proprietários também têm que arregaçar as mangas. Desse modo, eles arcam com um terço dos custos, se for possível. Além disso, o financiamento só é aprovado para aqueles que estão realmente aqui, morando em suas casas. Consequentemente, muitas pessoas começaram a voltar do Líbano e da Turquia novamente”, informa Padre Jahola.

“Se não fosse pelas casas, não haveria ninguém”

“Nosso pessoal estava dizendo no começo: ‘primeiro segurança, depois voltaremos’. Eu lhes respondi: ‘Quanto mais de vocês voltarem, melhor poderão proteger uns aos outros”. No entanto, devido à falta de segurança e emprego, o Padre Jahola sabe bem que somente a reforma das casas não garantirá que os cristãos permaneçam a longo prazo. Mas o esforço não é em vão: “Se não fosse pelas casas, não haveria ninguém”.

O apoio da ACN vale a pena

A reconstrução só é possível porque as organizações cristãs com iniciativa, sobretudo a ACN, estão contribuindo com milhões em doações. O estado iraquiano só existe aqui na bandeira e nos passaportes. “O governo não tem dinheiro, ou possui outras prioridades. Ninguém aparece por aqui. Estaríamos perdidos sem a ajuda de nossos companheiros cristãos no Ocidente”, diz Padre Jahola expressando sua gratidão.

Aimery de Vérac está feliz em ouvir isso. O francês trabalha como intermediário para a ACN e, portanto, tem vivido no Iraque nos últimos anos. “Ajudar essas pessoas me deixa muito feliz. Eles amam sua terra natal. Estamos comprometidos com a máxima transparência em nosso trabalho. Podemos contabilizar cada centavo que gastamos”. Segundo o francês, mais de 8.700 famílias já voltaram para a Planície de Nínive e mais de 4.300 casas voltaram a ser habitáveis. Cada vez que uma casa é concluída, a ACN dá aos proprietários uma muda de oliveira. A planta bíblica pretende ser um símbolo de esperança e futuro.

A história de Rabah

Rabah o marido vieram originalmente de Mosul

Rabah recebeu um pequeno Olivetree. Cada vez que uma casa é concluída, o ACN dá aos proprietários uma oliveira, planta bíblica pretende ser um símbolo de esperança e futuro.

Rabah também recebeu uma pequena árvore. Com cinquenta e poucos anos, ela tem três filhos. Ela e o marido vieram originalmente de Mosul e fugiram de lá para Baghdeda em 2006, depois que seu filho e sobrinho foram ameaçados por islamitas. O sobrinho então foi sequestrado, seu filho quase não escapou. No entanto, os islamitas chegaram com o EI à Baghdeda em 2014. Assim, a família fugiu mais uma vez. Depois de anos vivendo como refugiados no estado vizinho do Curdistão iraquiano, a família está de volta à sua casa desde julho de 2017.

“Nosso carro, nosso ouro: gastamos tudo o que tínhamos. Se a cidade não tivesse sido libertada, não sei o que teria acontecido conosco”, diz Rabah. Felizmente, sua casa sofreu apenas pequenos danos. Nenhum vestígio permaneceu, mas as feridas são profundas. “Meu marido e eu permaneceremos no Iraque, se Deus quiser. Isto é também o que nossos filhos querem; embora não tenham trabalho. Além disso, temo que a mesma coisa nos aconteça novamente; que o EI retorne”.

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