Luxemburgo
(religiões no país)
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Disposições legais em relação à liberdade religiosa e aplicação efetiva
No dia 1º de julho de 2023, entrou em vigor a nova Constituição do Grão-Ducado de Luxemburgo.[1] A antiga Constituição, estabelecida em 1868, foi alterada mais de 40 vezes para se adaptar à evolução sociopolítica do país.[2] Uma controvérsia política em torno da legalização da eutanásia ativa em 2008 foi uma das principais razões para reescrever a Constituição. Nessa altura, o Grão-Duque Henri recusou-se a assinar um projeto de lei sobre a eutanásia, o que levou à supressão de uma disposição constitucional que obrigava à aprovação da legislação pelo Grão-Duque. Após um longo debate, o Parlamento acabou por aprovar o novo texto da Constituição no final de 2022.[3]
A nova Constituição estabelece, pela primeira vez, a separação entre a Igreja e o Estado. E inclui igualmente uma lista exaustiva dos direitos fundamentais e das liberdades públicas dos cidadãos luxemburgueses.[4] Embora o princípio de que “a dignidade humana é inviolável” (artigo 12.º) faça agora parte da Constituição luxemburguesa, o direito fundamental à vida não foi incluído, uma questão levantada pela Comissão dos Direitos do Homem num relatório.[5] Para além disso, a Constituição entrou num novo território jurídico ao reconhecer o direito de constituir família (artigo 15.º, n.º 4). Este fato é único no país e pode potencialmente levar a dificuldades para as comunidades ou instituições religiosas no futuro, porque deixa muito espaço para interpretação e implementação.
A nova Constituição, tal como a anterior, afirma que “todos têm direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião” (artigo 14.º).[6] O artigo 24.º inclui partes dos antigos artigos 19.º e 20.º e incorpora o artigo 142.º do Código Penal. Este artigo estabelece que o direito de expressar as suas convicções filosóficas ou religiosas, bem como o direito de optar por seguir ou não uma religião, são protegidos, exceto nos casos de infrações cometidas durante o exercício destes direitos. A liberdade de praticar, prestar culto e participar em atividades relacionadas é também garantida, com a mesma exceção em caso de infrações. Além disso, ninguém pode ser obrigado a participar em qualquer ritual ou cerimônia religiosa, nem a observar os dias de descanso designados por qualquer religião.[7]
O capítulo VIII da Constituição, que regula a administração do Estado, tem agora uma nova seção, a número 3, que regula exclusivamente a relação entre o Estado e as comunidades religiosas. O artigo 120.º reconhece as Igrejas e as comunidades religiosas como independentes do Estado. A relação jurídica entre o Estado e os grupos religiosos será regida por acordos bilaterais aprovados pelo Parlamento.
Até a data deste relatório, a relação entre o Estado e as comunidades religiosas têm sido regulada por uma convenção assinada em 2015, que autoriza acordos formais entre as partes. O reconhecimento oficial foi concedido a seis comunidades religiosas: a Igreja Católica, a Comunidade Judaica, a Igreja Protestante, a Comunidade Muçulmana, a Igreja Anglicana e a Igreja Ortodoxa. A convenção compromete o governo a conceder apoio financeiro anual aos grupos religiosos, de acordo com a sua dimensão.[8]
Para assinar uma convenção com o governo, uma comunidade religiosa deve ser uma religião reconhecida mundialmente, estar bem estabelecida em Luxemburgo e ser apoiada por uma comunidade suficientemente vasta.[9] A convenção aboliu o ensino religioso nas escolas públicas primárias e secundárias, substituindo-o por um curso de ética intitulado “Vida e Sociedade”, sobre o qual as comunidades religiosas devem ser regularmente consultadas.[10] Luxemburgo não tem uma religião oficial do Estado.
O Código Penal proíbe impedir, atrasar ou interromper cerimônias religiosas, mostrar desrespeito pelos objetos religiosos (artigo 144.º) e insultar ou agredir os líderes religiosos durante os serviços religiosos (artigos 145.º e 146.º).[11] Os infratores podem ser multados e receber uma pena de prisão.
Em 2018, o artigo 563.º (n.º 10) do Código Penal foi alterado para proibir a utilização de vestuário que cobre o rosto em determinados espaços públicos, incluindo escolas, estabelecimentos de ensino, hospitais, lares de idosos, instituições públicas e transportes públicos.[12]
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Incidentes e episódios relevantes
Em setembro de 2023, um mês antes do ataque do Hamas a Israel, o governo de Luxemburgo apresentou um Plano de Ação de Luta Contra o Antissemitismo (PANAS).[13] Uma das razões para esta iniciativa foi a crescente consciência do aumento do antissemitismo nos últimos anos.
O PANAS inclui um quadro jurídico e regulamentar reforçado para combater os crimes de ódio e o discurso de ódio; uma compreensão mais profunda do antissemitismo em todas as suas formas; uma maior proteção das vítimas e uma maior segurança dos locais de culto judaicos; e um apoio contínuo à recordação do Holocausto, bem como aos esforços de educação e investigação. Além disso, procura promover a resiliência na sociedade, em particular entre os jovens e os funcionários públicos, através da educação, da informação e da sensibilização para a importância da luta contra o antissemitismo.
De acordo com o relatório anual para 2023 do Centro de Investigação e Informação sobre o Antissemitismo em Luxemburgo (RIAL),[14] a comunidade judaica em Luxemburgo deparou-se com um aumento significativo de comentários e incidentes antissemitas após o ataque do Hamas a Israel no dia 7 de outubro e a subsequente guerra em Gaza. Antes de 2023, o RIAL tinha registrado um aumento consistente dos incidentes antissemitas, passando de 64 em 2020 (quase o dobro do número de 2019) para 80 em 2021 e 76 em 2022. Um novo máximo foi estabelecido em 2023, com 146 incidentes.[15] Em 2024, porém, o número já ultrapassou esse valor, com 160 casos registrados no mesmo período. Em outubro de 2024, foi vandalizado um memorial às vítimas do Holocausto em Medernach.[16] Os Judeus luxemburgueses relataram ter sofrido uma hostilidade crescente na sua vida quotidiana. De acordo com o relatório, muitos indivíduos da comunidade judaica expressam sentimentos de insegurança,[17] muitas vezes sem comunicar formalmente os incidentes às autoridades.[18]
Foram igualmente registrados incidentes anti-islâmicos em Luxemburgo, que também não são frequentemente comunicados, como o indica o relatório anual do Observatoire de l'Islamophobie au Luxembourg (OIL).[19] Entre os 299 indivíduos inquiridos pelo observatório no ano passado, 23% afirmaram ter sido vítimas diretas de incidentes anti-islâmicos, enquanto 29% indicaram ter testemunhado incidentes desse tipo que afetaram outras pessoas. Estes números mostram uma ligeira diminuição em comparação com 2022, quando 34% dos inquiridos afirmaram ter testemunhado incidentes anti-islâmicos. A maioria dos casos está principalmente associada a agressões verbais; no entanto, em 2022, cinco por cento relataram ter sofrido violência física devido à sua fé, enquanto em 2023 este número caiu para apenas um por cento.[20]
Atualmente, os Cristãos não dispõem de uma organização de investigação orientada para a fé ou de um grupo de defesa como o OIL ou o RIAL fora das instituições eclesiásticas existentes. Apenas foi relatado um incidente envolvendo uma igreja em Osweiler, que foi vandalizada com pichações em setembro de 2023. O caso foi comunicado à polícia, que mais tarde apanhou os agressores.[21]
No dia 26 de setembro de 2024, o Papa Francisco visitou Luxemburgo no âmbito de uma viagem apostólica que incluiu também a Bélgica. Durante o seu encontro com a comunidade católica luxemburguesa, o Papa encorajou-a a ser missionária, “pronta a testemunhar a alegria do Evangelho” e a servir os outros. E agradeceu ao país por ser uma “casa acolhedora” para os imigrantes.[22]
Na Catedral de Notre-Dame de Luxemburgo, o Cardeal Jean-Claude Hollerich, Arcebispo de Luxemburgo, deu as boas-vindas ao Papa e observou que a pequena Igreja que ele lidera “vive numa sociedade altamente secularizada, com os seus desafios e dificuldades, mas também com os seus caminhos de esperança”.
Perspectivas para a liberdade religiosa
Uma vez que a nova Constituição entrou em vigor há apenas um ano, será necessário algum tempo para compreender as implicações para a liberdade religiosa. De um modo geral, a nova Constituição reforça as liberdades fundamentais, bem como a liberdade religiosa e o papel das comunidades religiosas. A diminuição dos incidentes anti-islâmicos é notória, mas o aumento dos incidentes antissemitas é uma fonte de preocupação, que o governo planeja abordar através do PANAS. No entanto, as perspectivas de liberdade religiosa no país permanecem estáveis e inalteradas.
Notas e Fontes
[1] “Constitution du Grand-Duché de Luxembourg (Version consolidée applicable au 01/07/2023)”, Journal Officiel du Grand-Duché de Luxembourg, https://legilux.public.lu/eli/etat/leg/constitution/1868/10/17/n1/consolide/20230701 (acessado em 3 de dezembro de 2024).
[2] “Luxemburg: Politisches Porträt”, Auswärtiges Amt, https://www.auswaertiges-amt.de/de/service/laender/luxemburg-node/politisches-portraet/211296 (acessado em 3 de dezembro de 2024).
[3] Maurice Fick, “Everything you need to know about Luxembourg's new Constitution”, RTL, 1 de julho de 2023, https://today.rtl.lu/news/luxembourg/a/2081164.html (acessado em 14 de dezembro de 2024).
[4] Daniel Atz, "Unpacking Luxembourg’s New 2023 Constitution", LuxCitizenship, 1 de julho de 2023, https://www.luxcitizenship.com/unpacking-luxembourgs-new-2023-constitution/#:~:text=The%20new%20constitution%20also%20enshrines,and%20the%20right%20to%20asylum (acessado em 3 de dezembro de 2024).
[5] Danielle Schumacher, “ADR übt heftige Kritik”, Nuremburger Wort, 8 de março de 2022, https://www.wort.lu/politik/adr-uebt-heftige-kritik/1148845.html (acessado em 3 de dezembro de 2024).
[6] "Constitution du Grand-Duché de Luxembourg", op. cit.
[7] Ibid.
[8] "Convention entre l’État du Grand-Duché de Luxembourg et les communautés religieuses établies au Luxembourg, Gouvernement luxembourgeois", https://gouvernement.lu/dam-assets/fr/actualites/articles/2015/01-janvier/20-cdp-accord/Convention.pdf (acessado em 8 de dezembro de 2024).
[9] Ibid.
[10] Ibid., artigos 12.º, 17.º, 18.º.
[11] "Code pénal, Chapitre II. Des délits relatifs au libre exercice des cultes", Journal Officiel du Grand-Duché de Luxembourg, https://legilux.public.lu/eli/etat/leg/code/penal/20240308#art_144 (acessado em 8 de dezembro de 2024).
[12] Ibid.
[13] Ministro de Estado, National Action Plan to Combat Antisemitism, Governo de Luxemburgo, https://gouvernement.lu/dam-assets/documents/actualites/2023/09-septembre/27-bettel-antisemitismus/brochure-panas-b5-en-web-2023.pdf (acessado em 8 de dezembro de 2024).
[14] "Le rapport 2023 de l’association RIAL – Recherche et information sur l’antisémitisme au Luxembourg : une accumulation d’attaques gratuites contre les défenseurs des droits humains plutôt qu’une étude sérieuse sur la problématique de l’antisémitisme", Comité pour une Paix Juste au Proche-Orient, https://paixjuste.lu/wp-content/uploads/2024/10/Attaques_non_fondees_RIAL.pdf (acessado em 8 de dezembro de 2024).
[15] “Research and Information Centre on Antisemitism in Luxembourg (RIAL) reports significant rise in antisemitism after October 7th”, European Jewish Congress, 4 de junho de 2024, https://eurojewcong.org/news/communities-news/luxembourg/research-and-information-centre-on-antisemitism-in-luxembourg-rial-reports-significant-rise-in-antisemitism-after-october-7th/ (acessado em 8 de dezembro de 2024).
[16] Jeannot Ries e Jean-Marc Sturm, "Antisemitism on the rise in Luxembourg”, RTL, https://today.rtl.lu/news/luxembourg/a/2241498.html (acessado em 8 de dezembro de 2024).
[17] Ryck Thill, "Luxembourg's Jewish community expresses fears over rising violence”, RTL, https://today.rtl.lu/news/luxembourg/a/2131803.html (acessado em 8 de dezembro de 2024).
[18] Ines Kurschat, "War in Gaza has triggered rise in anti-Semitism, report states”, Luxembourg Times, 3 de junho de 2024, https://www.luxtimes.lu/luxembourg/war-in-gaza-has-triggered-rise-in-anti-semitism-report-states/13513704.html (acessado em 8 de dezembro de 2024).
[19] Florian Javel, "So viele Fälle von Islamophobie hat es 2023 in Luxemburg gegeben”, Luxemburger Wort, 22 de julho de 2024, https://www.wort.lu/politik/so-viele-faelle-von-islamophobie-hat-es-2023-in-luxemburg-gegeben/16411763.html (acessado em 8 de dezembro de 2024).
[20] Ibid.
[21] Franciska Jäger, “Des croix gammées et des insultes taguées autour de l’église d’Osweiler, près d’Echternach”, Virgule, 11 de setembro de 2024, https://www.virgule.lu/luxembourg/des-croix-gammees-et-des-insultes-taguees-autour-de-l-eglise-d-osweiler-pres-d-echternach/19648892.html (acessado em 8 de dezembro de 2024).
[22] Francesca Merlo, “Pope in Luxembourg: Service, mission, and joy are at the heart of the Gospel”, Vatican News, 26 de setembro de 2024, https://www.vaticannews.va/en/pope/news/2024-09/pope-francis-meeting-religious-luxembourg-apostolic-journey-46.html (acessado em 8 de dezembro de 2024).