“Como eu – feito refém por um grupo de jihadistas, preso por quase cinco meses, frequentemente ameaçado de decapitação, e depois de testemunhar o sequestro e prisão de 250 dos meus paroquianos – como eu podia responder à minha libertação? Havia algum espaço para o amor nesta experiência?” Pe. Jacques Mourad.

O sequestro

Em Al-Qaryatayn eu pastoreava toda a região desde 2000. Era responsável da paróquia sírio-católica de lá, pertencente à diocese de Homs. E, sim, foi de Qaryatayn que eu fui raptado.

No dia 21 de maio, um grupo de homens mascarados e armados invadiu o mosteiro de Mar Elian, do qual fui responsável, me levando como refém junto com Boutros, que era então um postulante no mosteiro. Ficamos prisioneiros lá no carro no meio do deserto, por quatro dias, então eles nos levaram para Raqqa, onde fomos aprisionados em um banheiro.

No caminho para Raqqa… para o desconhecido, uma frase veio a mim e ficou comigo, que me ajudou a aceitar o que estava acontecendo e a me abandonar ao Senhor: “Estou caminhando para a liberdade…”. A presença da Santíssima Virgem, nossa Mãe, e a oração do Rosário foram minhas outras armas espirituais.

Minha fé num cárcere

Depois de sete dias que estávamos lá, um homem de preto, com o rosto mascarado, entrou em nossa “cela”. Ao vê-lo, fiquei aterrorizado e pensei que meu último instante tinha chegado. Mas em vez disso, para minha grande surpresa, ele perguntou meu nome e se dirigiu a mim com uma saudação habitual: “Assalam aleïkum”, que significa “A paz esteja com você”. Essa é uma expressão reservada aos muçulmanos e proibida aos não-muçulmanos (porque não pode haver paz possível com aqueles que se opõem a eles) – também porque os cristãos são considerados por eles como incrédulos e hereges (kouffar).

Ele então entrou em uma longa conversa, como se estivesse tentando nos conhecer melhor. Quando eu encontrei coragem para perguntar por que estávamos presos, fiquei surpreso com sua resposta: “Olhe para isso como um retiro espiritual”.

Ficamos presos naquele banheiro por 84 dias. Quase todos os dias eles entravam ali e me interrogavam sobre minha fé. Eu vivia cada dia como se fosse o meu último. Mas eu não vacilei. Deus concedeu-me duas coisas: silêncio e amabilidade.

Eu fui interrogado, ameaçado várias vezes com decapitação e submetido a uma execução simulada por recusar renunciar à minha fé. Nesses momentos, as palavras de Nosso Senhor ressoavam dentro de mim: “Minha graça te basta, porque a minha força se aperfeiçoa na fraqueza…”. E, no meio desta situação, também fiquei feliz por poder viver concretamente estas palavras de Cristo do Evangelho de São Mateus: “Amai os vossos inimigos, abençoai os que vos amaldiçoam, fazei bem àqueles que vos odeiam e rezai por aqueles que vos maltratam e perseguem”.

Reencontrando meus paroquianos

No dia 4 de agosto de 2015, o Estado Islâmico assumiu o controle de Qaryatayn e, na manhã seguinte, ao amanhecer, levou como refém um grupo de cristãos, cerca de 250 pessoas, trazidas de uma região próxima de Palmira. Obviamente, não sabíamos nada sobre o que estava acontecendo, já que tínhamos sido isolados do mundo. No dia 11 de agosto, um xeique saudita entrou em nossa cela. Ele falou comigo, dizendo: “Você é Baba Jacques? Venha comigo! Eles estão nos perturbando perguntando sobre você!”

Nós viajamos pelo deserto por cerca de quatro horas. Quando chegamos a um recinto fechado por uma enorme porta de ferro, os cristãos de Qaryatayn estavam ao meu redor, espantados ao me ver. Foi um momento de sofrimento indizível para mim, e para eles um momento extraordinário de alegria e dor. De alegria, porque não esperavam que eu ainda estivesse vivo, e de dor, por causa das condições em que nos encontrávamos.

Liberdade Condicional

Vinte dias depois, 1º de setembro, eles nos trouxeram de volta para Qaryatayn. Estávamos “livres” novamente, mas proibidos de sair da cidade. Era como um retorno à vida, mas não ainda à liberdade. Mas um retorno à vida – que milagre! Eu não poderia ajudar, mas maravilhe-se com isso! Eu só podia me maravilhar com isso!

Tínhamos autorização até para celebrar os nossos ritos religiosos, com a condição de não propagar o que tinha acontecido. Poucos dias depois, quando um dos meus paroquianos morreu de câncer, fomos ao cemitério, perto do mosteiro de Mar Elian. Foi só então que eu descobri que tinha sido destruído. Estranhamente, eu não reagi. Três dias depois, no dia 9 de setembro, na festa de Mar Elian (São Julião de Edessa), me dei conta que Mar Elian havia sacrificado seu mosteiro e seu túmulo para nos salvar.

Foi nesse dia, 10 de outubro de 2015, naquela estrada no deserto, que a palavra “liberdade” realmente se tornou familiar para mim novamente.

Um povo deseja a liberdade, a vida

Esta sede de liberdade não é só minha, é de todo o povo sírio. Muitos países europeus e americanos abriram as suas fronteiras aos refugiados sírios e os acolheram. Milhares de sírios que fugiram da morte refugiaram-se nesses países porque anelam vida e anseiam liberdade.

No entanto, não consigo fechar os olhos às contradições que vemos nesses países em guerra. No caminho para a liberdade, devemos primeiramente nos fazer esta pergunta crucial que Pôncio Pilatos dirigiu a Cristo: “O que é a verdade?” Depois que disse isso, ele saiu novamente para falar com os judeus e lhes declarou: “Não encontro motivo de condenação nele”.

Pilatos representava o Império Romano, um símbolo de um mundo inteiro que decidiu matar Cristo. Nada mudou. Por quanto tempo continuaremos nos recusando de entender a mensagem do nosso Deus? Por quanto tempo mais nosso mundo deverá ser governado por pequenos grupos que procuram apenas o seu próprio interesse?

“É hora de agir”

É hora de reagir ao medo de uma terceira guerra mundial. Chegou a hora de uma revolução da paz, contra a violência, contra a fabricação de armamentos, contra governos que constantemente encontram razões para a guerra em todo o mundo, mas sobretudo no Oriente Médio.

Quanto à Europa, é hora da comunidade muçulmana tomar uma posição clara e inequívoca em relação à violência que está crescendo e se propagando. Um grande temor os tem paralisado e, assim, acorrentado. Mas seu silêncio está se tornando sinal de um manifesto e aparente acordo diante da violência que está se desenrolando.

Apesar de tudo que as organizações humanitárias estão fazendo pelo povo sírio, ainda existem famílias que vivem em condições terríveis, fora dos campos de refugiados, por falta de espaço. Eles não estão sendo aceitos lá… Eles estão desabrigados, estão sem nada.

Deus não está apenas nos pedindo para sermos sensíveis às necessidades materiais dos pobres. Um povo que está sofrendo está sendo apresentado para nós, um povo ferido que está carregando um fardo muito, muito pesado… Aqueles que clamam com Jesus na Cruz: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” Pessoas que clamam com Davi no Salmo 51: “misericordias domini…”. Esta guerra deve parar. Queremos voltar para nossas casas, hoje, arruinadas. Nós temos o direito de viver, como todos os outros no mundo… Queremos viver.

Padre Jacques Mourad
Pe. Mourad é autor do préfacio do Relatório de Liberdade Religiosa de 2016 publicado pela ACN.

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