“Falei com Sua Santidade pessoalmente em novembro último e lhe disse que nós todos ficaríamos encantados de lhe dar as boas vindas em Erbil. Ele me respondeu que teria prazer em fazer a visita, mas que seus auxiliares não o deixariam ir na situação atual”.

“Se surgirem sinais de que as vilas e cidades cristãs ocupadas pelo Estado Islâmico (EI) no Iraque estariam sendo retomadas, isto iria encher de grande esperança os refugiados cristãos e os encorajaria a permanecer no país”. Esta é a firme convicção do arcebispo caldeu de Erbil, no norte do Iraque, D. Warda, como ele afirmou para a Ajuda à Igreja que Sofre (AIS). O arcebispo, em cuja arquidiocese dezenas de milhares de refugiados cristãos procuraram asilo, calcula que ainda vai levar vários meses para que as regiões ocupadas pelo EI em Mossul e na planície de Nínive possam ser libertadas.

No verão passado, mais de 125.000 cristãos tiveram de fugir às pressas de Mossul e da planície de Nínive, quando as tropas sanguinárias do EI avançaram sobre suas regiões e as ocuparam. “Nosso povo se sente abandonado. Eles tem a impressão que para o governo iraquiano há outras regiões com maior importância estratégica do que Mossul e a planície de Nínive”. No entanto, o arcebispo prevê grandes dificuldades se o governo iraquiano decidir tomar a cidade de Mossul primeiro. Muitos muçulmanos irão fugir da cidade, buscando refugio nas zonas rurais por causa das lutas armadas na cidade. E para onde eles poderão ir? Provavelmente para as zonas cristãs abandonadas por seus habitantes perto de Mossul. Isto iria trazer dificuldades no futuro. Mas se o governo decidir iniciar suas operações militares na planície de Nínive, por outro lado, as zonas habitadas pelos cristãos ali, poderão ser seriamente afetadas pelas batalhas”.

D. Warda está cético quanto a uma eventual proteção internacional para os territórios cristãos próximos de Mossul. “Seria importante, mas a maioria dos países pensarão duas vezes antes de se comprometer a enviar tropas em meio a esta situação tão complicada. Ela teria de ser precedida por um processo de reconciliação nas regiões afetadas. Deste modo, os muçulmanos desta área não verão estas forças como uma presença hostil. Por causa desta situação, eu acho que será mais provável que se caminhe rumo à direção de uma guarda nacional”.  Segundo D. Warda, a guarda nacional que atualmente está sendo considerada, irá se basear no povo local, porém, integrada no sistema de defesa iraquiano. O arcebispo rejeita a ideia de se formar milícias segundo critérios religiosos, pois isto iria apenas complicar as coisas ainda mais. “Nós, como Igreja, deixamos bem claro desde o início, que somos contra a formação de milícias cristãs. Preferimos que nossos jovens que o desejarem, se alistem com as tropas curdas ou com o exército iraquiano.”

D. Warda acha que uma visita do Papa Francisco é essencial. “Falei com Sua Santidade pessoalmente em novembro último e lhe disse que nós todos ficaríamos encantados de lhe dar as boas vindas em Erbil. Ele me respondeu que teria prazer em fazer a visita, mas que seus auxiliares não o deixariam ir na situação atual”. Dom Warda ressaltou que ele próprio achava que esta visita seria possível. “Mas vai levar um certo tempo”.

O arcebispo descreveu as condenações do EI por clérigos muçulmanos como inadequada. “Na maior parte das vezes, os imãs denunciam os crimes apenas por que eles prejudicam a reputação do islã. Mas e as vítimas? Minha impressão, quando ouço discursos de clérigos sunitas é que se o EI executasse seus crimes longe da atenção da mídia, estaria bem”. É claro que há vozes no mundo islâmico pedindo uma nova interpretação do islamismo. “Mas eu acho que estamos apenas no início deste processo aqui”.

Um grande esforço político e social para repensar a situação é necessária, segundo acredita Dom Warda, para que se consiga uma reconciliação interna entre os sunitas e os xiitas no Iraque. “As feridas são profundas. Já houve mais de 25.000 vítimas não identificadas em ambos os lados, desde 2003. Havia um desejo tão grande de desfigurar os do outro lado, que o ato final de amor por parte de suas famílias – um enterro digno – já não era possível. Isso mostra como é profundo o ódio que ainda existe”. Uma reconciliação interna depende, portanto, da boa vontade dos políticos iraquianos, bem como das potências regionais, o Irã e a Arábia Saudita, as quais tem, segundo o arcebispo, grande influência na política iraquiana. “Ainda não chegamos lá ainda”, disse Dom Warda. Entretanto, cedo ou tarde, a situação vai ter de mudar. Depois de tanta violência, e com 1,8 milhões de pessoas refugiadas, um momento de exaustão vai chegar quando o povo disser: já chega, não dá mais”.

D. Warda detectou um grande progresso com relação à situação humanitária dos refugiados cristãos. “Pudemos fazer muito graças à ajuda de nossos amigos internacionais como a Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), que é o nosso maior e mais importante parceiro nesta crise. Neste momento, nós nos concentramos sobretudo em três coisas: habitação, ensino e saúde”. Os programas de habitação, em especial, que permitem aos refugiados mudar das tendas e containers transformados em casa para as residências alugadas, tiveram um efeito muito positivo, disse o arcebispo. “As pessoas ficam com mais esperança. Algumas até chegam a comprar alguma mobília. É importante que as pessoas tenham o sentimento que a situação está melhorando”.

Dom Warda apelou para os cristãos do Ocidente, para que continuem a rezar pelo povo do Iraque e do Oriente Médio. “Nós acreditamos no poder da oração”. Além do muito necessário apoio material, é necessário que organizações de ajuda internacional como a AIS, chamem a atenção dos políticos ocidentais e da mídia para a situação da região, afirmou D. Warda. “As pessoas precisam ver que comunidades muito antigas estão num processo de desaparecimento”. Mas é importante que os cristãos permaneçam no Iraque, disse o arcebispo. “Falta uma coisa aqui: uma cultura de diálogo, de paz, de amor e de reconciliação. Através de nossas escolas e de instituições educacionais, nós podemos ajudar a mudar o país. Muitos políticos iraquianos me disseram que o Iraque não será mais o mesmo sem a presença dos cristãos”.

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