No oeste da África, a epidemia de Ebola fez milhares de vítimas em 2014. Com sua origem na Guiné, a doença se espalhou pelos países vizinhos como Serra Leoa e Libéria e afetou principalmente as capitais e as regiões fronteiriças entre os países. Graças ao auxílio nacional e internacional, o número de novos casos está agora diminuindo.

Padre Peter Konteh, diretor da Caritas na arquidiocese de Freetown, em Serra Leoa, vivenciou a crise do Ebola em primeira mão. Falando à Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre, que financiou uma série de programas de ajuda, ele contou sobre as experiências que teve com essa epidemia.

 

1. Quando você começou a ouvir sobre a recente propagação do vírus Ebola?
Padre Peter Konteh: Oficialmente o Ebola foi confirmado em Serra Leoa em maio de 2014. Teve início no país vizinho, a Guiné. Um médico de nossa região esteve lá para examinar uma pessoa e acabou se infectando. Após seu retorno, ela tratou de outra mulher e consequentemente acabou ajudando a propagar o vírus. Nem nosso sistema de saúde nem os responsáveis no governo e na Igreja estavam preparados para o que viria a seguir. Os primeiros dois ou três meses surpreenderam a todos.

 

2. Qual foi a primeira coisa que vocês fizeram?
PK: Nós procuramos por estratégias, porque inicialmente se sabia muito pouco a respeito da doença. Nós tivemos que aprender muitas coisas para que fosse possível manter as pessoas informadas e também sensibilizá-las para o problema, afinal, 60% da população de Serra Leoa é analfabeta. Todos os dias, havia transmissões de informações pelo rádio, fazíamos uso de megafones e também íamos às áreas de mercados e aldeias. Não foi fácil convencer a população, porque no início os mortos eram cremados sem a presença dos parentes, espalhando-se o rumor de que, na verdade, eles haviam sido mortos para que seus órgãos pudessem ser vendidos. Em consequência disso, os parentes passaram a ter permissão para acompanhar os funerais das vítimas e os conselhos das comunidades cristã e muçulmana se envolveram, aliviando bastante a situação.

 

3. Como se deu a colaboração entre os grupos religiosos?
PK: As relações entre as religiões são tradicionalmente muito, muito boas. Essa unidade é um dos pontos fortes do nosso país. Cerca de 60% dos habitantes de Serra Leoa são muçulmanos, 30% são cristãos e outros 10% são adeptos de religiões tradicionalmente africanas. Embora os católicos sejam minoria, a igreja goza de grande respeito, visto que muitos serra-leonenses são frequentadores de escolas católicas. Muitos sacerdotes católicos são convertidos e dois dos nossos bispos tem pais que são praticantes da religião muçulmana.

 

4. Como que vocês finalmente conseguiram conter o vírus Ebola?
PK: Tornou-se muito claro que se tratava de um vírus que exigia medidas decisivas. Houve muito suporte, tanto local, quanto internacional. Um país que tinha somente oito ambulâncias, agora tem mais de 200. A comunidade internacional reconheceu o tamanho do perigo. Testemunhodisso são os convites que recebi para relatar ao senado dos Estados Unidos a minha experiência, e para falar ao parlamento Britânico sobre o papel dos agentes pastorais na luta contra o Ebola.

 

5. O que você quer dizer com o “papel dos agentes pastorais”?
PK: Quando o vírus Ebola estourou ninguém pensou em agentes pastorais, mas então o governo percebeu que juntos, muçulmanos e cristãos compõe mais de 80% da população. Quando alguém morre, os agentes pastorais são importantes, não somente para as cerimônias fúnebres. Eles exercem uma influência considerável, pois conversam com os parentes, os confortam e quando alguém está doente, eles são chamados para rezar e curar. Esses são os aspectos essenciais do nosso serviço, além do que, existe um grande número de indivíduos traumatizados que procuram ajuda, querendo conversar com um agente pastoral a respeito da sua depressão. Os agentes pastorais chegam até a acompanhar algumas pessoas em suas dificuldades e sofrimentos. Portanto, na luta contra o Ebola, eles certamente desempenham um papel fundamental.

 

6. Qual foi a realidade do dia a dia durante os meses de crise?
PK: Quando eu acordava pela manhã e olhava para a parte de trás da casa, podia ver um recém-falecido sendo trazido para o seu enterro, eram cerca de 50 por dia. Quando eu estava na janela da frente, eu olhava para dentro do centro de tratamento do Ebola. A caminho do meu escritório eu encontrava pessoas passando fome e pessoas procurando conforto, dia após dia, não foi fácil. E depois havia a urgente preocupação com os órfãos. Existem agora mais de 800 em nossa região, e no país inteiro devem ser em torno de 8.000. No presente momento, estamos criando três centros de emergência, onde seremos capazes de fornecer as crianças as suas necessidades absolutas. Nós estamos procurando pelas suas famílias, mas muitas dessas crianças perderam todos os seus parentes. Cerca de 8.000 pessoas morreram de Ebola em todo o país.

 

7. Qual é a situação atual?
PK: Ainda é muito cedo para se alegrar, mesmo com o número de novas infecções diminuindo consideravelmente. Graças à ajuda internacional, nós agora temos um número suficiente de centros de tratamento. Nós, e isso significa: 30 ajudantes em tempo integral e cerca de 120 voluntários da comunidade, somos muito, muito gratos por esse suporte. O governo anunciou agora que as escolas serão reabertas em 31 de março, mas ainda precisa-se de tempo para que as coisas voltem ao normal. A vida empresarial e a agricultura estão severamente prejudicadas, por isso, Serra Leoa precisa de mais apoio, mesmo que já tenhamos recebido bastante. Por causa do Ebola, o tratamento médico melhorou consideravelmente e temos que assegurar que assim continue, mesmo após a crise. Mas, nós já nos encontramos preocupados de sermos novamente esquecidos quando as câmeras forem desligadas.

 

8. Qual foi a experiência mais triste para você?
PK: Vou citar duas, que ainda me causam noites sem dormir. Uma das nossas tarefas foi visitar uma casa de quarentena para levar alimentos para as pessoas que lá se encontravam. Um dia nós encontramos uma criança de cerca de dois anos de idade que estava sozinha, com quatro corpos de pessoas mortas. Relatamos o fato aos médicos para que eles cuidassem da criança. Estivemos lá novamente algum tempo depois, mas a criança já havia falecido. Isso ainda hoje me assombra porque eu sinto que deveria ter intervindo mais cedo. E uma das nossas colegas de trabalho que perdeu sua família inteira, pais, irmãos, tios e tias, sobrinhos e sobrinhas, um total de 27 pessoas. Nós tentamos confortá-la em sua dor e dissemos a ela que agora nós somos sua família.

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