“Um pincel”. Assim Dom Juan Aguirre – bispo de Bangassou, na República Centro-Africana – se refere quando fala de sua missão. “Estou como um pincel nas mãos de Deus, e Ele me usa para o que Ele desejar”. Dom Aguirre esteve recentemente no Brasil a convite da ACN para dar voz ao seu povo perseguido.

A República Centro-Africana (RCA) está no coração geográfico da África. Sem acesso ao mar, está rodeada por seis países que passam por guerras civis, conflitos violentos ou extrema pobreza. A própria RCA é o país com o menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do mundo; expectativa de vida lá é de 48 anos. A maioria das pessoas vive com menos de R$60 reais por mês e têm apenas uma refeição ao dia. “Lá não existe a frase ‘não gosto desta comida’, pois se não gostar ficará 48 horas sem uma refeição”, diz Dom Juan Aguirre.

Além da pobreza, a guerra

Como se a extrema pobreza já não fosse um grande sofrimento, a situação se agravou em 2012. Um grupo de extremistas islâmicos, nomeado de Seleka, entrou no país. O grupo é sustentado pelos países do Golfo – que desejam extrair os ricos minerais do país. O Seleka tomou cerca de 80% da RCA; usaram a perseguição religiosa como motivo a fim de assassinar os cristãos, que representam 65% dos habitantes do país.

A Igreja Católica se ergueu para defender seu rebanho. Assim, entre as lideranças, Dom Aguirre tem realizado um grande trabalho que lhe rende muitas ameaças; além de já ter sofrido 3 infartos e ter 9 pontes de safena. Nos últimos anos, Dom Juan Aguirre viu sua vida ficar por um fio. Isso porque acolheu mais de 3 mil órfãos, construiu lares para salvar idosos enfermos (que são acusados de bruxaria – e assassinados – por sofrerem algum tipo de demência ou outro distúrbio mental). Enquanto que os padres da diocese de Dom Aguirre tiveram inclusive que comprar crianças que estavam para ser executadas por terroristas. Dom Aguirre mostrou com alegria, para todos os bispos do Brasil, as fotos de como essas crianças estão hoje quando esteve na Assembleia Geral da CNBB.

Surge um remédio tão mal quanto a doença

Dom Aguirre esteve no Brasil para dar voz ao seu povo e pedir orações. Pois não bastasse os extremistas do Seleka, um outro grupo se formou: o Anti-balaka; uma milícia criada por muitos animistas e até mesmo cristãos, que se uniram com o propósito de combater o Seleka. “No primeiro dia o Anti-balaka era um grupo que queria defender seu povo; no segundo e terceiro dias também; do quarto dia em diante eram tão terroristas quanto o grupo que combatiam, assassinavam muçulmanos indiscriminadamente, mesmo mulheres e crianças indefesas”.

Foi em uma dessas ações do Anti-balaka que Dom Juan Aguirre precisou intervir e oferecer sua vida como escudo. Em 2017 o grupo Anti-balaka atacou um bairro muçulmano. Cerca de duas mil pessoas fugiram para a mesquita. Cercados pelo Anti-balaka um genocídio teve início. Foi então que Dom Aguirre chegou paramentado e se colocou na linha de tiro para proteger os muçulmanos, outros padres vieram e também se colocaram na frente.

Grupo anti-balaka, República Centro Africana

Grupo anti-balaka, República Centro Africana

“Esta noite estará morto”

“Eu ouvia tiros passando ao meu lado a todo momento, meus padres estavam assustados, mas permaneceram firmes. Eu gritava para eles se lembrarem do salmo 90: ‘caiam mil homens à tua esquerda e dez mil à tua direita, tu não serás atingido’. Alguns muçulmanos foram mortos atingidos pelos tiros. Assim, permanecemos ali por três dias, depois soldados portugueses nos ajudaram a levar os muçulmanos para o seminário da diocese. Eles se hospedaram lá como podiam, ocupando tudo como dormitório. Desde esse dia passei a receber ameaças também do Anti-balaka.

São telefonemas dizendo ‘esta noite estará morto’, ou então ‘vamos lhe decapitar’. Quando saio na rua, muitos me cumprimentam levando a mão até o pescoço fazendo sinal que cortarão minha cabeça. Eu apenas sorrio e aceno com a mão. Não podia deixar de acolher esses nossos irmãos muçulmanos, trabalhamos como o Bom Samaritano e a vocação da Igreja Católica é acolher a todo ser humano. Sou espanhol, mas não vou embora da RCA. A Igreja é a última que apaga a luz, sempre fica até o final!

Treinamento de guerra

Como comboniano, Dom Juan Aguirre foi “treinado” para ir para a RCA. “Meu formador me ensinou a silenciar meu corpo, minha mente e meu coração, para então começar a rezar. Quando meus colegas e eu conseguimos tal feito ele nos mandou para trabalharmos de pedreiros por três meses. A obra era muito barulhenta e o trabalho muito pesado, ficávamos lá o dia inteiro e ele nos dizia que tínhamos que rezar mesmo em meio a tudo aquilo. Quando finalmente conseguimos rezar enquanto trabalhávamos, ele nos disse: ‘agora vocês estão prontos para viver em uma região de alto risco sem perder a calma e a capacidade de orar’.”

O treinamento mantém Dom Aguirre firme até hoje. A catedral da diocese está fechada por conta das ameaças; este ano a Páscoa foi celebrada na floresta; dos seus 25 padres, 12 estão com traumas de guerra por terem sido esfaqueados, espancados ou ameaçados; das 11 missões da diocese, 9 foram destruídas e até os carros da Igreja têm marcas de tiros. Mesmo com tudo isso, quem olha para o semblante de Dom Aguirre, pensa que ele veio de um retiro espiritual. O olhar é calmo, bem como as palavras: “Quando a esperança se vai, fica a esperança de voltar a ter esperança”, sempre diz isso com um sorriso que aparece facilmente.

Bispo de Bangassou, idosa, República Centro Africana

Dom Juan Aguirre em centro de acolhida para idosos na República Centro Africana 

Eles não estão a sós

A ACN ajuda a República Centro-Africana a perseverar na esperança de ter paz por meio dos projetos realizados pela Igreja. Desde a formação de padres, catequistas e lideranças que promovem a paz anunciada no Evangelho, até a reconstrução dos lares que foram queimados. Para isso pedem ajuda da ACN apenas para a palha que cobre o teto, pois o povo quer reconstruir suas próprias casas, que são cabanas simples, mas mesmo isso foi tirado pela guerra.

Um outro projeto que Dom Juan Aguirre fala com alegria são as escolas, que permitem as crianças crescerem vencendo seus traumas ao mesmo tempo que se tornam construtores da paz. Esse projeto ajuda de forma especial a garotas que foram sequestradas quando crianças, usadas como escravas sexuais pelos guerrilheiros e dispensadas depois de grávidas. Hoje elas têm em média 15 anos e apenas conseguem se alegrar ao vislumbrar que o Amor que vem de Deus pode curar todo o ódio a que foram submetidas.

“Essas meninas voltam grávidas para suas casas e suas próprias famílias pedem que elas abortem o bebê, alegando que será parecido com o ‘comandante’ que a violentou. Eu digo ‘não, me deem o bebê, cuidarei como a pupila dos meus olhos’. Elas então continuam com a gravidez. Depois que as crianças nascem eu pergunto: ‘com quem se parece?’ Elas respondem: ‘com o comandante’. Eu fico com a face desolada e elas logo respondem: ‘calma senhor bispo, é a cara do comandante, mas logo que o segurei e o coloquei em meu peito para amamentar, surgiu uma ligação entre nós que é única, não posso mais ficar sem o meu filho, eu o amo!’”

Benfeitores missionários

Todos esses sinais de esperança em um país em guerra aparecem graças à ajuda de pessoas como você; pois silenciosamente fazem a esperança renascer. Mas há muito mais para ser feito e a ACN precisa da sua contribuição para fazer mais. A ajuda da ACN só será limitada se a caridade também se limitar. Mas nos benfeitores, em você, a ACN enxerga o mesmo amor e disponibilidade que Dom Juan Aguirre demonstra quando se define como um pincel:

“Sou como um pincel nas mãos de Deus. Quando as pessoas olham um quadro, admiram primeiro a pintura, a beleza em cada detalhe; depois admiram a genialidade do pintor, que soube usar as cores certas, destacar as sombras e luzes; mas ninguém nunca fala nada sobre o pincel. Assim me sinto com Deus, estou humildemente para o que Ele precisar; é Ele quem realiza tudo o que é bom”. E finaliza:

“Não sei se cada benfeitor da ACN doa muito ou pouco, mas sei, pela ajuda que nos chega diretamente e o que essa ajuda possibilita, que cada doação é feita com muito amor! Obrigado!

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2 Comentários

  1. Cátia 30 de agosto de 2018 at 16:01 - Responder

    Cada vez que leio notícias como essas fico com o coração cortado, pois apesar de o homem ser a imagem e semelhança de Deus é capaz de praticar atrocidades.. Porém me vem um sopro de esperança quando vejo depoimentos de pessoas como Dom Aguirre que têm força e dedicação para levar alento ás vítimas dessas atrocidades faço doação mensal a ACN, não é muito, mas é de coração e sei que faz a diferença. Deus é contigo Dom Aguirre!

  2. Gabrielly 2 de junho de 2018 at 09:14 - Responder

    Está em minhas orações.

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