O conflito em Alepo nos últimos dias tem sido especialmente bem violento. Tanto a leste como a oeste, de quarteirão em quarteirão, de rua em rua, intenso bombardeio combinado com tiros de armas de fogo tem marcado o fluxo e refluxo da guerra entre os rebeldes e as forças governamentais. O controle de Alepo, a segunda maior cidade da Síria, é decisivo para a resolução do conflito que custou mais de 400.000 vidas e consome o país por quase 6 anos.

Dos que saíram do país, 50.000 fugiram somente nos últimos meses. Dos 120.000 cristãos que viviam em Alepo antes da guerra, as melhores estimativas afirmam que 30.000 ainda estão na cidade. Destes, numa pequena sala nos fundos de uma paróquia, estavam um pequeno grupo de crianças e um padre reunidos para a tão esperada hora de conferência on-line com os políticos da União Europeia no Parlamento Europeu. Por fim, a conferência quase não aconteceu.

As semanas anteriores ao evento do dia 6 de dezembro, memória de São Nicolau, foram cheias de esperança. No oeste de Alepo, um grupo de 25 crianças cristãs e muçulmanas, sob coordenação do franciscano Frei Ibrahim, preparou músicas, desenhos e mensagens especiais de paz. Em Bruxelas, igualmente, o vice-presidente do parlamento europeu Antonio Tajani juntamente com a ACN (Ajuda à Igreja que Sofre) organizaram uma exposição especial de desenhos das crianças sírias, fizeram o arranjo de uma música de paz de um coral da Igreja Católica Caldeia em Bruxelas, testaram a conexão e mandaram convites para lembrar os membros do parlamento do encontro. Aí, as bombas caíram.

Ao meio-dia, 6 horas antes de quando estava marcada a conferência, Frei Ibrahim escreveu dizendo que a conferência não seguiria adiante: o bombardeio estava tão severo que as escolas foram fechadas, as rodovias vazias e as mães inseguras de deixarem seus filhos saírem. No parlamento, medidas de segundo plano estavam sendo consideradas. A transmissão de mensagens gravadas previamente, um diálogo de texto on-line somente com o Frei Ibrahim, destaque para a exibição dos desenhos das crianças… ?

Por fim, das 25 presenças previamente acertadas, os rostos de 6 crianças apareceram na tela. Com tímidos acenos, vozes as vezes distorcidas pelas falhas da conexão, falando num mix de árabe, francês e inglês, as crianças foram ali para olhar nos olhos daqueles que prometeram não se esquecer delas. Elas não ficaram desapontadas. O auditório, com presença de 15 alto-representantes do Parlamento Europeu, da mídia internacional e do coro de crianças caldeias, estava cheio. A mesa foi composta por Antonio Tajani, auxiliado por Anna Maria Corazzo Bildt junto ao representante da ACN em Alepo, Pe. Ziad Hilal.

Antonio Tajani deu as boas-vindas às crianças e condenou a guerra, os bombardeios e o sofrimento das crianças que chamavam a atenção de parceiros internacionais para renovar o diálogo acerca do fim do conflito. “Muito obrigado pelo seu trabalho. O Parlamento Europeu quer estreitar nosso engajamento em favor da paz. Estamos próximos das pessoas de Alepo. Parem os bombardeios. Cristãos e muçulmanos podem viver juntos – é possível viver em paz”.

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A alto-representante Corazzo Bildt confirmou esta mensagem dizendo: “Vocês não estão esquecidas, não estão sozinhas. Não é culpa das crianças que haja uma guerra. Bombardeios não acabam com guerra, mas somente através do diálogo. A Europa tem que fazer mais para proteger os direitos das crianças. Obrigada à Igreja Católica, aos padres e à Igreja Caldeia.

Frei Ibrahim em Alepo respondeu. “A paz é possível juntos. Eu falo em nome do povo após 6 anos de guerra, de uma guerra absurda. Aqueles que mais sofrem são os mais fracos – nesse caso, as crianças. Temos visto a falta de água, de energia elétrica; temos visto também enfermidades físicas causadas por doenças psicológicas como consequência dos choques de guerra. Temos fechado as escolas pela gravidade da situação. Não podemos continuar vivendo assim. Temos uma grande esperança que essa intervenção com a UE mude a situação de Alepo – assim os jovens poderão continuar a viver nesse país e permanecerão. Nós, como Igreja, estamos tentando fazer o nosso melhor para que vivam dentro do possível em paz – pelo menos em alguns momentos. Nós precisamos da sua ajuda – nós temos esperança na Europa para que tenhamos nossa dignidade no nosso país. Eu lhes agradeço, de todo o meu coração, por esse encontro”.

Em seguida, um após o outro, os rostos das crianças foram projetados de cima nas três telas do Parlamento Europeu.

“Eu não durmo à noite por causa das bombas”, disse Jean Paul de 10 anos. “Eu perdi muitos amigos por causa da guerra. Nós não temos mais lugares para brincar – agora só podemos brincar em casa, porque é muito perigoso”.

Salim, de 14 anos de idade, disse: “Eu vivo em Alepo. Nós temos a guerra e não podemos ter uma vida normal. Se vamos a algum lugar, não sabemos se voltaremos vivos. Todos os meus amigos morreram ou viajaram para outros países por medo de morrer. E nós ainda temos medo das bombas caírem em nós. Nós temos esperança que tragam a paz para nós”. “Eu cresci durante a guerra e não é fácil viver assim porque quando vamos para a escola temos medo de sermos bombardeados e não retornarmos às nossas casas”, afirmou Syline, de 10 anos. “As bombas estão caindo em nossas casas – nós não temos água, nossos pais não podem trabalhar, não há emprego em Alepo e é difícil comer, nossos pais não podem comprar chocolate, carne e roupa. Nós esperamos que vocês possam nos ajudar e trazer paz ao nosso país”.

Finalmente, Christine de 10 anos, sentou em frente à webcam. “Todos os dias saio de casa e não sei se vou voltar. Meus amigos saíram do país e me deixaram sozinha. Muitos dos meus amigos estão mortos”. Seu testemunho foi interrompido por suas lágrimas. No parlamento, silêncio: muitos parlamentares choraram com ela.

Seguiu-se com músicas de paz, alternadas entre as seis crianças em Alepo e o coro caldeu, em que os parlamentares aplaudiram e cantaram junto. Padre Ziad Hilal, que tinha chegado um dia antes de Alepo, afirmou: “Eu espero que haja paz e reconciliação para nosso povo na Síria. Sem paz, nós perdemos um povo, uma cultura, e uma civilização na Síria, que precisará de muitos anos para reconstruir. Como padre, nós precisamos de paz para continuar nossa missão no Oriente Médio como uma ponte entre o Oriente e o Ocidente, cristãos e muçulmanos, cultura oriental e cultura ocidental. Essa é a nossa vocação – e sem isso, o Oriente Médio estará sem o seu mediador por paz”.

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