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Arcebispo do Haiti: “Nosso povo quer viver”

Publicado em: março 8th, 2024|Categorias: Notícias|Views: 459|

No domingo, 3 de março de 2024, o governo do Haiti declarou estado de emergência de 72 horas após gangues armadas invadirem a prisão nacional na capital, Porto Príncipe. O Haiti está afundando cada vez mais no caos. A vida pastoral é seriamente afetada pela violência e pelos frequentes sequestros, mas os fiéis estão enfrentando os perigos para viver sua fé. ACN conversou com Max Leroy Mésidor, Arcebispo Metropolitano de Porto Príncipe e Presidente da Conferência dos Bispos Haitianos, sobre a situação da Igreja em seu país.

Há vários anos, o Haiti vem experimentando um período de profunda instabilidade. A violência está piorando a cada dia. Algumas pessoas falam de uma “guerra civil de baixa intensidade”…

Sim, há um perigo real de uma guerra civil estourar no país. As gangues armadas agem como um exército organizado. Elas são muito bem equipadas e armadas. A polícia não consegue acompanhá-las. Em algumas regiões, por exemplo na minha área, existem grupos de cidadãos que tentam enfrentar as gangues. Portanto, há frequentemente confrontos entre esses grupos e as gangues, e entre a polícia e as gangues. Há muitas armas em circulação. Sim, é como uma guerra civil.

Existem regiões do país que ainda são relativamente seguras?

Não há lugar que seja realmente seguro. Os três departamentos mais afetados são Oeste, Centro e Artibonite (um dos departamentos do Haiti). No entanto, há grupos que se estabeleceram praticamente em todos os lugares. Eles colocam um líder de gangue em certos bairros da província e, uma vez que ele se estabelece lá, eles expandem sua zona de poder. Nenhum departamento é poupado, mas algumas áreas, assim como as cidades e as principais estradas, estão mais expostas. É muito difícil, por exemplo, sair da capital Porto Príncipe.

Em 2021, a Conferência dos Bispos Haitianos falou de uma “ditadura do sequestro” no Haiti. O que isso significa?

Há sequestros por toda parte… Se você é rico ou pobre, intelectual ou analfabeto, qualquer um pode ser sequestrado. É uma ditadura, uma praga que deve ser combatida. Ela está sufocando o povo haitiano.

Muitos padres e religiosos foram sequestrados nos últimos anos. A Igreja é especialmente visada por esses sequestradores?

Sim. As pessoas estão dizendo isso há algum tempo. Experimentamos o primeiro rapto de padres e religiosos em 2021. Este ano, seis freiras foram sequestrados em janeiro, seis religiosos e um padre em fevereiro e outro padre em 1º de março. Os seis religiosos ainda estão nas mãos dos sequestradores. A Igreja não abandonará nossos irmãos e irmãs. Mas tenho que dizer que muitos médicos também estão sendo sequestrados.

Quão perigoso é ser bispo no Haiti hoje?

Estou começando agora o meu sexto ano como Arcebispo de Porto Príncipe, e é realmente muito difícil. Até agora, não consegui realizar nem um quarto do que eu pretendia, porque é preciso lidar com a vida diária. E essa vida diária consiste em sofrimento, violência, tiroteios, pobreza e privação. É muito difícil. É preciso ter uma mente muito estável. Mas nós, bispos, tentamos trabalhar e testemunhar juntos. Não é fácil, mas precisamos carregar nossa cruz e seguir Cristo – especialmente durante este tempo da Quaresma. Nos perseveramos e contamos com as orações e a solidariedade do povo.

Em que medida seu trabalho pastoral é afetado pela situação do Haiti?

É muito afetado, especialmente em Porto Príncipe. Não consigo visitar dois terços da minha diocese porque as estradas estão bloqueadas. Para chegar ao sul da diocese, preciso pegar um avião. Não vou à catedral há dois anos. Uma vez, enquanto eu estava no meu escritório, houve muitos tiros e tive que ficar lá por quatro horas antes de poder sair para celebrar a missa. Tiros atingiram a janela do meu escritório.

A última celebração que consegui fazer na catedral foi a Missa do Crisma. Estava cheia. Havia 150 padres lá, com numerosos religiosos e muitos fiéis. Mas do Agnus Dei até o final do serviço, os tiros estavam ecoando; podíamos ver a fumaça subindo perto. Desde então, não consegui voltar à catedral ou à sede do bispo.

Qual é o estado de espírito dos padres, religiosos e seminaristas?

Todos têm medo, inclusive os religiosos. Assim que você sai de Porto Príncipe, está em perigo. O seminário está em um bairro onde há muitos tiros e lutas.

As gangues até entram nas igrejas para sequestrar as pessoas lá. Algumas paróquias fecharam porque os padres foram forçados a sair. Na semana passada, um pároco teve que fugir com sua congregação. Eles caminharam por 15 horas!

A ACN ajuda apoiando a formação de mais de 200 seminaristas e muitos catequistas no Haiti. De onde a Igreja tira forças para continuar seu trabalho apesar dessa situação angustiante?

Nosso povo que quer viver. Eles são um povo que mostra resiliência apesar de seu sofrimento… Eles estão acostumados ao sofrimento – mesmo quando, como agora, o sofrimento está em uma escala terrível! Os seminaristas e catequistas desejam cumprir uma missão. É por isso que perseveram, que ficam aqui. Para eles, a missão é vital. Por exemplo, recentemente convoquei uma reunião dos agentes pastorais. Eu esperava que 120 pessoas viessem. No final, havia 220, e mesmo quando não havia mais lugares, eles permaneceram em pé. Eles querem estar aqui, com o bispo, para receber um pouco de educação. Eles enfrentaram o perigo para vir aqui.

Isso mostra a importância da fé nessas condições precárias…

Sim. As pessoas estão vivendo sua fé nessas circunstâncias e apesar delas. Talvez tenha havido tiros no bairro na noite anterior. Mas no dia seguinte, mesmo às 6 horas da manhã, a igreja está cheia. Há pessoas que visitam os doentes, apesar do perigo. Para as procissões ou para as Estações da Cruz, mesmo no centro de Porto Príncipe, pode haver 50.000 pessoas. Às vezes, fico sem palavras.

Para você, qual a tarefa mais importante da Igreja nessa situação?

O mais importante é que a Igreja continue reunindo as pessoas apesar de todas as dificuldades. Através de sermões ou exercícios espirituais para os jovens, tentamos reavivar sua esperança, fazê-los se organizar e não afundar na resignação. Sempre que possível, a Igreja continua sua missão. Mas não é fácil. O lema é: um dia de cada vez.

Como a Igreja se financia nessa situação difícil?

Algumas paróquias estão mais ou menos se mantendo. Para outras, e essa é a maioria, é muito difícil. Os padres quase não recebem salário e muitos dos fiéis estão empobrecidos. Os ricos foram para o exterior. Não temos quase nenhuma renda.

Sem a ajuda da ACN, seria muito difícil para a Igreja funcionar. Se algumas paróquias ainda conseguem continuar, é em parte por causa da ACN. Também é graças à sua ajuda que posso fornecer atividades educacionais para os fiéis e seminaristas, e que podemos lhes dar um pouco de esperança. A ACN faz muito por nós no Haiti. Gostaria de agradecer a todos os benfeitores. Temos todos em nossas orações e pedimos ao Senhor que os proteja. Não nos esqueçam. Que Deus os abençoe a todos!

No último ano, a ACN apoiou a Igreja no Haiti com aproximadamente 60 projetos. Esses projetos incluem apoio à formação de seminaristas, religiosos, catequistas e leigos, programas para jovens e pessoas deslocadas de suas casas. Também com equipamentos para três estações de rádio diocesanas, instalação de painéis solares para a Conferência dos Bispos Haitianos e a Arquidiocese de Porto Príncipe, entre outros. Além disso ajuda em retiros e subsídios para missas para padres e ajuda emergencial para freiras.

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