“É noite na África. E, no meio desta noite, eu viajo de Roma a Kinshasa. A viagem leva 6 horas”. O comentário está datado em abril de 1965 e registrado no livro “Onde Deus Chora” (Where God Weeps). Seu autor é padre Werenfried van Straaten, fundador da ACN (Ajuda à Igreja que Sofre) e o responsável pelo início do apoio da ACN na África. As linhas que abrem essa reportagem percorrem os momentos prévios da sua chegada na capital da República Democrática do Congo.

Aquela primeira presença no continente se limitou a nove dias durante os quais, além de Kinshasa, conheceu Kivu, Isiro e Kisangani. Durante seu regresso, descreveu os passos dados naquele itinerário como “as estações da Via Sacra”. Depois daquele primeiro trajeto, ocorreram mais cinco viagens, de setembro de 1968 até os finais da década de 80, nas quais o também chamado de Padre Toucinho conheceu as misérias do continente e a pobreza da Igreja. Mas também já visualizava o trabalho que a Igreja deveria realizar no continente e o apoio que poderia ser oferecido pela ACN na África.

“Temos aqui uma tarefa para desenvolver (…). Não queremos ajudar só as dioceses devastadas (…) em sua reconstrução espiritual e material, como também, acima de tudo, investir amor, dinheiro e ideias na formação de líderes leigos treinados pelo apostolado”. Essas palavras se referiam especificamente à Igreja do antigo Congo Belga, mas podiam se aplicar a muitos outros lugares do continente. Quando o Padre Werenfried chegou na África, já conhecia bem o sofrimento da Igreja em todo o mundo. O compromisso desse frade premonstratense holandês para com os mais necessitados o levou a impulsionar, em meados do século passado, por meio da ACN na África, a promoção da evangelização e do trabalho pastoral da Igreja. Criada como uma associação pública de fiéis, o Papa Bento XVI elevou a ACN à Fundação Pontifícia em dezembro de 2011.

Motivações e primeiros desafios

A ACN nasceu em 1947, no final da II Guerra Mundial, para ajudar as comunidades católicas que ficaram ilhadas no leste europeu. Foi ampliando sua ação para outros lugares, outros continentes, outros desafios. A atenção quase única àqueles perseguidos por causa da sua fé, prática habitual dos países que estavam do outro lado do Muro de Berlim, deixou de ser a sua principal motivação na dinâmica de trabalho. Em outros lugares do planeta, a Igreja padecia em diferentes formas de pobreza e marginalização, as quais também pediam uma resposta. Nesse contexto, questões como pluralidade de línguas, culturas, tradições e povos, a instabilidade política e a perceptível desigualdade social se converteu num grande desafio para a atuação da ACN na África.

A chegada da instituição acompanhou de perto a fase da descolonização e coincidiu com um crescente sentimento nacionalista que se enraizava entre os povos que antes olhavam para as potências coloniais como seu principal ponto de referência. No âmbito eclesial, encontrou amplas zonas de nova evangelização, em comunidades onde missionários estrangeiros já tinham desenvolvido um intenso, porém incompleto, trabalho. Era o momento do nascimento dos países, mas também tempo de semear uma Igreja local, própria, que conviveria com o Islã e com religiões tradicionais.

Disse o Papa Paulo VI (1969) em Uganda: “vocês têm o direito de viver um cristianismo africano”. E naquele momento, isso começava a se fazer necessário. “Com a rica experiência de dezenas de milhares de missionários, a Igreja se põe a serviço dos pobres sem ingênuas ilusões, desinteressada e humilde”, reconhecia o Padre Werenfried em 1965.

Projetos e iniciativas

Desde que se traçaram os primeiros projetos até hoje, foram milhares as iniciativas financiadas no continente. Somente em 2016, 1800 projetos foram apoiados no continente africano. Se destacam a ajuda enviada à República Democrática do Congo, Etiópia, Sudão do Sul, Tanzânia, Quênia, Uganda, Madagascar, Camarões, Burkina Faso e Nigéria. Como está registrado no relatório de 2016 sobre a África, “em todos os países mencionados, a jovem e vital Igreja Católica africana precisa da nossa solidariedade”, agregando que “damos prioridade às regiões onde a evangelização é mais recente e a Igreja local está em maior necessidade”.

Uma instituição como a ACN, cujo objetivo principal é dar suporte à Igreja em suas necessidades mais elementares, traduziu suas linhas mestras de apoio em projetos de ajuda pastoral, construção de infraestrutura, formação de agentes de pastoral, motorização, ajuda de subsistência para sacerdotes e comunidades religiosas, literatura religiosa e meios de comunicação, avaliados por ordem de importância de acordo com o número de projetos apoiados. As solicitações de ajuda que chegam da África permitiram traçar a imagem de uma Igreja que tomou perfis próprios e que necessita reconstruir ou renovar suas infraestruturas. Nesta última metade do século XX, a Igreja cresceu e também suas necessidades.

Fator climático e bélico

A ACN reconhece que boa parte das estruturas eclesiais “foi construída faz quarenta, sessenta, oitenta anos ou mais por missionários europeus, e está começando a mostrar claros sinais de deterioração em razão do tempo e do clima africano extremo”. Além do fator climático, os conflitos armados afetaram de maneira direta ou indireta a igrejas, conventos e outros edifícios necessários para as comunidades. Um país como Angola, que sofreu uma guerra civil depois do final da época colonial, é um claro exemplo disso. Com uma fotografia atual das igrejas angolanas se poderia pensar que o conflito armado terminou ontem.

Aqueles primeiros contatos do fundador da ACN com a realidade africana motivaram o nascimento de um departamento de projetos próprio para o continente no secretariado internacional da instituição, com sede em Könignistein, Alemanha. O que era apenas uma única seção se desdobrou em três departamentos que lidam separadamente com os países de acordo com suas características linguísticas, geográficas e históricas.

Ainda que com diferentes matizes, uma das realidades que os departamentos prestam mais atenção é o incentivo e suporte às vocações sacerdotais, que crescem exponencialmente nos últimos anos em alguns países. “Cada vez mais seminários nos pedem ajuda para finalização dos cursos acadêmicos”, apontam os colaboradores da ACN na África. A atenção e cuidado aos seminaristas se dá também com a criação de infraestruturas para que a sua formação ocorra bem. Nesse ponto estão os projetos de construção de novos seminários em Uganda e Angola ou a reforma dos prédios dos seminários maiores em Madagascar, Tanzânia, Guiné-Conacri ou República Dominicana.

Tarefa pastoral e humanitária

Faz um pouco mais de meio século que o Padre Werenfried se alarmou com as necessidades da Igreja, mas também para aqueles que viviam com menos que o necessário. E essa realidade não ficou indiferente, nem ao fundador nem ao trabalho da instituição, mesmo esta tendo nascido para dar suporte ao trabalho pastoral. “Já sei que nossa Obra não é uma organização caritativa. Nossa tarefa é pastoral”, dizia o Padre Toucinho. “Mas sei que Cristo condenou um sacerdote porque, no caminho de Jerusalém a Jericó, se esqueceu do dever do amor ao próximo. O mesmo Cristo multiplicou os pães e saciou os ali reunidos, porque não quis falar de Deus a uma multidão faminta”.

Essa atitude motivou a instituição a também apoiar o envio de ajuda de emergência humanitária em ocasião de desastres naturais ou conflitos armados. Assim, a ACN escreve: “todos os nossos projetos na África, incluindo os estritamente pastorais, tem ramificações humanitárias. Estes aspectos são inseparáveis na África”. Dois dos últimos projetos desse tipo tiveram como destinatários os habitantes dos campos de refugiados em Malakal (Sudão do Sul) oudas famílias deslocadas do Burundi que buscam refúgio na Tanzânia.

Refúgio

Se recordamos novamente as palavras de Padre Werenfried sobre a África encontramos que “a Igreja, chamada a ser mãe dos pobres, é seu último refúgio”. Desse modo, o fundador da ACN explicava que se atendiam as necessidades da Igreja, também se estava perto dos mais necessitados. E assim vive a instituição, quase cinquenta anos depois de um voo entre Roma e Kinshasa em que um frade holandês contava o que via através da janela do avião: “Voamos a doze quilômetros de altura. Estranhas constelações brilham no escuro manto da noite. Abaixo de nós, passa, deslizando, uma fogueira. Talvez um acampamento de caçadores ou uma aldeia nos Camarões. Uma tempestade tropical lança raios desde o equador. As luzes que fulguram no horizonte fazem resplandecer o céu”.

Artigo originalmente publicado na revista «Mundo Negro» em junho de 2013 e adaptado pela ACN em fevereiro de 2017.

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