“Ao pó hás de voltar”

Com o rito da Imposição das Cinzas começa, todos os anos, o período litúrgico da Quaresma, que, assim como o Advento, é descrito como um “tempo forte”. Portanto, somos chamados a celebrar esse tempo de uma maneira “forte”: motivados, autênticos e verdadeiros.

Qual é o significado da cerimônia da bênção e da imposição das cinzas? A resposta está exatamente nas palavras pronunciadas durante a imposição: “Lembra-te que és pó, e ao pó hás de voltar”. É necessário relembrar a morte e distinguir entre os seus dois níveis: natural e sobrenatural.

No nível natural, a morte é uma barreira; diríamos que é uma brincadeira de mau gosto feita pela vida, que pode escurecer até mesmo os melhores dias. Mas, vamos examiná-la do ponto de vista sobrenatural: a morte marca o fim do tempo de provação, ou seja, a morte é o amadurecimento definitivo de tudo o que foi realizado durante a vida. Ela é o último momento em que podemos exercer a nossa liberdade sobre o bem e sobre o mal, o último momento em que estamos sujeitos ao pecado, mas também o último momento em que podemos adquirir méritos. Na vida, apenas uma coisa conta em favor da nossa pessoa: nosso mérito pessoal. E é isso que projeta a felicidade, a glória e a paz na própria eternidade.

Aquele que se confina no nível natural sofre e sente terror diante da morte. Aquele que ascende ao nível sobrenatural também sofrerá de alguma forma, mas de modo meritório. Ele espera, com razão, uma graça para morrer sem medo e em paz. A morte acompanha a nossa vida. De fato, ela acontece todos os dias. Todos os dias, uma parte de nossa capacidade biológica se apaga. Todos os dias uma folha cai da árvore, todos os dias algo se vai e nunca mais retorna. No instante em que você diz “agora”, o momento presente já pertence ao passado. A morte é mesmo um fato, mas quando a vemos de forma sobrenatural, apoiados pela esperança cristã, tudo se enche de alegria.

Lembremo-nos disso ao longo da nossa caminhada quaresmal neste Ano Santo! Vamos passar pela Porta Santa, com reta intenção e, pensando sabiamente na morte, amaremos cada vez mais a vida. De fato, o tempo é o meio para crescer, é o meio para expandir o nosso mérito, é o meio de nos assegurarmos daquilo que podemos fazer em vista da recompensa eterna. Saber que podemos aproveitar cada momento do tempo reaviva a nossa esperança, estimula-nos a fazer boas obras e alimenta a nossa alegria.

Cada segundo conta e pode ser a oportunidade irrepetível de amar. O tempo é misericórdia de Deus que nos é concedida até o último instante. Vamos usá-lo de modo coerente com o nosso batismo e a nossa fé. O rito das Cinzas e toda a liturgia da Quaresma nos incentivam a isso.

Card. Mauro Piacenza
Presidente Internacional da ACN