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Albânia: “Minha vocação veio de um padre que passou 28 anos na prisão”

Publicado em: fevereiro 28th, 2025|Categorias: Notícias|Views: 235|

O Bispo Simon Kulli de Sapë, no norte da Albânia, fala sobre os mártires albaneses e seu testemunho de esperança para a Igreja, durante uma visita à sede da ACN, como parte da campanha da Quaresma deste ano.

O senhor nasceu em uma época em que o cristianismo era proibido na Albânia. Como sua família transmitia a fé durante o regime comunista?

Eu nasci na Albânia há 52 anos, no auge do regime comunista. Minha infância foi a mesma de todas as outras crianças do país, todos nós sofremos igualmente sob o comunismo. Mas graças a Deus, recebi a Fé quando ela não existia na Albânia. Quando eu tinha uma semana de vida, meus avós me levaram e me batizaram secretamente. Então foi um grande milagre que meus avós tenham transmitido a Fé para mim.

Estávamos trancados em nosso país. No entanto nos diziam que era um paraíso, que tínhamos tudo e não nos faltava nada. Quando o regime caiu, não sabíamos nada sobre o mundo. Então não tínhamos ideia de como eram a Itália, a Alemanha ou a América. Afinal havia uma pobreza tremenda, e o regime explorava todos. A vida sob o comunismo foi definitivamente muito difícil; crescemos sem fé, sem Cristo e sem religião.

O senhor foi batizado secretamente. A fé também era transmitida secretamente?

Sim, minha família, especialmente meus avós, passaram a Fé para nós. Eles nos ensinaram as orações, o Pai Nosso, o sinal da cruz, a Ave Maria. Mas sempre em segredo, em um ambiente familiar. Na Albânia, não podíamos falar sobre isso na escola ou com nossos amigos, pois, caso contrário, nossos avós seriam presos. O regime era feroz, não se podia nem fazer o sinal da cruz. Em casa, rezávamos o Pai Nosso antes das refeições. Lembro que meu avô fazia o sinal da cruz voltado para uma parede vazia, e eu não sabia por quê. Mas depois, quando o regime caiu, ele explicou que havia embutido um crucifixo dentro da parede.

Se não me engano, o senhor não foi batizado por um padre…

Não, não foi um padre, foi a Irmã María Kaleta, uma irmã Estigmatina que faleceu há três anos, e que todos nós chamávamos de “tia”, porque ela era uma religiosa idosa que realizava esses serviços secretamente. Ela trazia o Santíssimo Sacramento das prisões, onde era entregue a ela por padres encarcerados, na Albânia. Os padres celebravam clandestinamente, e depois entregavam as hóstias consagradas para a Irmã Maria, escondidas entre a roupa suja, para que ela pudesse levá-las aos doentes. E este batismo que recebi foi um grande presente que o Senhor quis me dar, em segredo, no auge do regime comunista. Se alguém soubesse que eu havia sido batizado, jogariam meus avós e o resto da minha família na prisão.

Para muitos de nós hoje, a ideia de perseguição é uma realidade distante, mas o senhor pessoalmente conheceu vítimas da perseguição. O que isso significa para o senhor?

Eu tive a sorte de conhecer “mártires” vivos, aqueles que sofreram por anos na prisão, alguns por 28 anos. Quando eu era apenas um jovem que sofreu o peso do comunismo, conheci o Pe. Martin Trushi, o Pe. Shtjefen Pistulli, o Cardeal Mikel Kolici, o Pe. Gjergj Vata, muitos jesuítas e padres diocesanos, e tantos outros que me encheram de grande esperança. Embora eu nunca tenha estado na prisão, senti o que era viver em um país onde privavam o homem de seu principal sustento: a fé. E esses testemunhos foram uma grande fonte de esperança para mim e meu futuro.

Como o senhor discerniu sua vocação na Albânia, um país sem fé?

Minha vocação surgiu ao ver um daqueles padres antigos celebrando a missa em latim pela primeira vez na minha paróquia. Foi a primeira missa após a libertação da fé na Albânia. Foi exatamente naquele momento que senti minha vocação. Enfim, ao ver aquele padre sofredor, que tinha tanta dificuldade em celebrar a missa, que estava curvado no altar por causa dos anos de prisão, pensei que poderia substituí-lo. Assim foi ali que nasceu minha vocação sacerdotal. A primeira pessoa com quem conversei sobre isso foi a Irmã Maria, a irmã que me batizou.

Em 2016, a Igreja reconheceu oficialmente 38 mártires na Albânia, e mais dois no ano passado, em 2024. Afinal, os testemunhos deles são uma fonte de inspiração para os jovens albaneses hoje?

Sim, os mártires que deram suas vidas por Cristo são sempre as sementes do cristianismo, como disse Tertuliano. Tenho certeza de que o sangue deles gerará muitas vocações e resultará em muitas bênçãos para a Albânia, que sofreu tanto por Cristo. Eles são um grande testemunho de esperança, que nos ensina a ser fortes na Fé, a não perder o ânimo, a continuar em frente. Antes de dar suas vidas por Cristo, eles clamaram: “Viva Cristo Rei, Albânia e o Papa”. Essas são palavras de encorajamento também para os jovens de hoje, para os bispos, padres, religiosos e religiosas, e para todo o povo cristão.

O senhor tem alguma mensagem para os cristãos que vivem atualmente em países onde a fé é perseguida, talvez com as mesmas experiências que o senhor viveu quando criança? O que diria a eles?

Após a morte, sempre vem a ressurreição. No final, há uma luz que ilumina o mundo. Jesus triunfa sobre o sofrimento. Permaneçam fortes, sem medo, apesar das dificuldades, da perseguição, porque Cristo sempre vence. Ele nos ajuda, nos dá forças para superar cada dificuldade em nossas vidas. Sigam em frente com coragem, com oração e com amor, porque com Cristo vocês podem superar qualquer dificuldade.

O senhor tem alguma mensagem para os benfeitores da ACN?

Quero agradecer de coração a todos os benfeitores da ACN. Não apenas em nome da Igreja albanesa, mas também como vice-presidente da Conferência dos Bispos, expresso minha gratidão por tudo o que vocês fazem pela Albânia e por tantos outros países. Afinal a ajuda de vocês é um grande sinal de esperança para aqueles que mais precisam.

Que o Senhor abençoe cada pessoa que estende a mão aos mais pobres e os recompense abundantemente por sua generosidade com a Igreja e os necessitados no mundo. Mil graças pelo apoio de vocês. Agradeço de todo o coração!

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