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Haiti: todos buscam sobreviver

Publicado em: janeiro 10th, 2025|Categorias: Notícias|Views: 279|

A violência das gangues, a migração forçada e a pobreza continuam a afligir o Haiti. O Bispo de Fort-Liberté, Quesnel Alphonse, fala sobre saques realizados por gangues, a crescente influência do Islã e o trauma de uma população que “se sente completamente perdida”.

O Haiti está vivendo uma situação muito difícil, marcada pelo aumento da violência das gangues e pelo colapso dos serviços básicos. Você diria que a situação está piorando?

Definitivamente, sim. Se eu tivesse que escolher uma palavra para descrever a situação, eu diria “sufocante”. É como se estivéssemos nos afogando. Afinal trata-se de sobreviver. Mas as coisas estão ficando cada vez mais difíceis, e não sabemos o que vai acontecer. O fato é que as pessoas se sentem muito perdidas. As pessoas estão além da pobreza; elas estão vivendo na miséria. Então isso afeta o país inteiro. O desespero está em nível máximo, e quando isso acontece, qualquer coisa pode ocorrer. Mas isso é uma grande vergonha, especialmente porque estamos prestes a começar o Jubileu de 2025, um momento que aguardávamos com esperança.

Qual é a situação dos haitianos que se mudam para a capital, Porto Príncipe, em busca de uma vida melhor?

As pessoas do campo, que não conseguem encontrar soluções para seus problemas nas áreas rurais, emigraram para Porto Príncipe, que não está equipada para receber uma população tão grande. Três milhões dos 12 milhões de haitianos já vivem na capital e seus arredores. Isso então, torna a miséria ainda maior. Além da miséria, vimos surgir um novo fenômeno nos últimos três anos, que são as gangues. Em apenas um fim de semana de dezembro, 184 pessoas foram brutalmente assassinadas em atos de violência. É terrível. É muito fácil para gangues armadas se organizarem nesta cidade superlotada.

Quais problemas essas gangues causam?

As pessoas do campo preferem levar seus produtos para a capital, porque lá conseguem preços melhores, mas as gangues dificultam o transporte. Isso não é o pior, no entanto. Há o fenômeno repetido de famílias que perdem tudo em uma única noite porque as gangues chegam aos seus bairros, tomam tudo o que têm, ocupam suas casas e as forçam a sair.

Tudo isso deve afetar as famílias…

Sim, muitas famílias foram separadas por causa disso. O pai pode estar na República Dominicana, a mãe nas Bahamas e as crianças nos Estados Unidos. Muitos haitianos estão arriscando suas vidas no mar em busca de uma vida melhor. No entanto, nem sempre são bem recebidos nesses países e enfrentam discriminação. Isso afeta as famílias, que acabam sendo separadas. A família, que é um pilar fundamental da sociedade, está sob ameaça, e isso leva à instabilidade social. As famílias são essenciais, e essa situação tem muitos efeitos, inclusive nas vocações dos jovens. Sabemos de casos de muçulmanos que atraem os jovens dando quase 100 dólares para se converterem. Embora o Islã seja uma religião minoritária no Haiti, sua presença está crescendo. É triste ver esses jovens se convertendo por necessidade, e não por convicção. Muitos também acabam se juntando às gangues pelo mesmo motivo.

O que as gangues oferecem? Como recrutam pessoas?

Elas também usam dinheiro, especialmente nos bairros muito pobres. Ontem, ouvi o testemunho de um jovem que entrou para uma gangue. Ele disse que era órfão, que não tinha ninguém e, por causa disso, sua vida não tinha sentido. As gangues dão uma sensação de pertencimento, e isso é um perigo. Não é apenas um problema financeiro, é existencial.

O fenômeno das gangues é uma questão de sobrevivência. Em situações de extrema necessidade, as pessoas estão dispostas a fazer qualquer coisa, até matar. E a isso podemos somar o problema das drogas. Sob o efeito das drogas, e para obtê-las, muitos jovens estão dispostos a fazer qualquer coisa. Eles perdem a humanidade e podem chegar a extremos. Os jovens nos bairros mais problemáticos estão completamente perdidos.

Há sinais de esperança no país? Qual é a situação na sua diocese, por exemplo?

Sim, algumas coisas estão melhorando. Algumas pessoas deslocadas internamente começaram a voltar, mas o processo é extremamente traumático. O que elas encontram quando retornam para casa é um choque emocional e psicológico tão grande que poderia destruir a maioria das pessoas. Vai levar tempo, muito tempo, para poder viver novamente, para poder voltar a uma casa que foi saqueada e ocupada. Isso mostra o quão desesperadora é a situação. Como disse, é uma crise existencial. Afeta as pessoas por completo. A identidade dos haitianos está sendo questionada, e isso exige atenção urgente. E temos outros problemas, como estradas bloqueadas, o que dificulta viajar para a capital.

O Jubileu de 2025 poderia ser um momento importante para o Haiti? Como a Igreja, com a ajuda de benfeitores internacionais, pode ser uma fonte de cura e reconstrução em um país marcado por tanto sofrimento?

Como diz o Papa Francisco, há questões que nos convidam a nos comprometer e oferecer sinais de esperança. No Jubileu, o Papa aborda a questão dos migrantes, uma realidade que nos toca profundamente. Todos nós precisamos refletir sobre essa situação, não apenas na Diocese de Fort-Liberté. Mas este é um projeto que devemos levar muito a sério no próximo ano. E o Santo Padre também falou sobre o alívio da dívida para os países pobres… Afinal esse Jubileu pode ser uma grande fonte de esperança para o Haiti.

Gostaria de aproveitar esta oportunidade para expressar minha profunda gratidão aos benfeitores da ACN, cuja generosidade contínua e apoio ao longo desses anos tem sido crucial para nós neste momento tão difícil da vida de nosso país.

Em 2024, a ACN apoiou a Igreja no Haiti com mais de 70 projetos. Em particular, a fundação apoiou rádios diocesanas, projetos de painéis solares e os custos de formação e manutenção de padres, religiosos e catequistas.

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