Uma experiência angustiante do Bispo de Chilpancingo-Chilapa, José de Jesús González Hernández, no início do seu ministério episcopal, revela a dureza de uma violência que não respeita batinas nem cruzes.

Nomeado Bispo da Prelazia de Jesús María, El Nayar, em 2010, o bispo franciscano relatou como, durante uma visita pastoral pouco depois de ter assumido o cargo, foi vítima de um ataque armado nas montanhas. Foi confundido com um traficante rival, “El Bigotón”, e o seu veículo foi alvo de disparos. Os agressores apontaram-lhe uma arma à cabeça, com a clara intenção de o matar. Milagrosamente, nem uma única bala o atingiu. Ao verem o bispo no seu hábito religioso, os agressores pediram desculpa, ofereceram-se para pagar os danos e até fizeram fila para pedir a sua bênção, reconhecendo que o prelado transportava “o Todo-Poderoso” na sua cruz peitoral episcopal.

Essa história não é apenas um testemunho de sobrevivência providencial, mas também destaca a vulnerabilidade de muitos agentes sociais que trabalham pela paz, entre eles sacerdotes católicos e agentes pastorais.

Infelizmente, o México tornou-se o país mais perigoso da América Latina para se ser sacerdote. Embora o número de assassinatos tenha diminuído, casos emblemáticos como o assassinato dos jesuítas Padre Javier Campos e Padre Joaquín Mora em Chihuahua, em 2022, mostram como o clero se torna um alvo quando abriga vítimas ou se recusa a pagar cartéis criminosos. O exemplo mais recente é o do Padre Marcelo Pérez, da Diocese de San Cristóbal de Las Casas, alvo de perseguição pelo seu trabalho em defesa dos direitos humanos.

Outros acontecimentos são igualmente alarmantes. O número de extorsões, sequestros de curta duração (conhecidos localmente como levantones), casos de fogo cruzado e agressões dentro de igrejas e centros de evangelização aumentou drasticamente. Foram assassinados leigos em locais e comunidades religiosas.

Esses crimes não são meras estatísticas, refletem a dura realidade de um México assolado pela violência, onde sacerdotes e evangelizadores são símbolos de esperança no meio do terror.

Em Guerrero, sede da Diocese de Chilpancingo-Chilapa, a situação é grave. A violência alastrou pelas zonas rurais, marcadas por valas comuns, desaparecimentos e controle criminoso das estradas. De acordo com o Índice de Paz do México de 2025, a taxa de homicídios é 54,7% superior à de 2015, com Guerrero entre os estados menos pacíficos. As comunidades estão cercadas, com os cartéis a impor o seu domínio e a extorquir civis. Em alguns casos, os sacerdotes abandonaram o altar para enfrentar a violência diretamente, procurando a paz por meio do diálogo.

Neste contexto, a Igreja Católica interveio como mediadora. Os bispos intermediaram tréguas entre os líderes criminosos, enquanto as iniciativas da Igreja em âmbito nacional exigiram reformas policiais e judiciais. Contudo, esses esforços levantam questões complexas: deve o clero negociar com os criminosos quando o Estado não age, ou até se torna cúmplice? Este papel de mediação coloca a Igreja em tensão com as autoridades, trilhando um caminho perigoso entre a fé e a sobrevivência.

A história do Bispo González Hernández sublinha este trágico paradoxo. A reverência pelo sagrado persiste, mas a fé nunca deveria ter de se esquivar às balas.