O termômetro gira em torno de 40 ºC em uma tarde de dezembro em Bissinghin, subúrbio de Ouagadougou. O apito inicial soa. A bola passa pelas pernas de jogadores jovens e mais velhos, levantando uma nuvem de pó de laterito a cada toque. Mais de mil espectadores reuniram-se para a terceira edição de uma partida diferente de todas as outras: de um lado, um time de católicos e protestantes; do outro, muçulmanos e adeptos da religião tradicional. Os goleiros são nada mais nada menos que o pároco e o xeique da mesquita vizinha. E o árbitro? O chefe da religião tradicional. O jogo termina com o resultado ideal, um gol para cada, entre aplausos e gritos de alegria.
“Foi magnífico, um momento verdadeiramente poderoso”, disse o padre André Kabre, pároco de Santo agostinho. Para este sacerdote, cujo irmão foi morto por jihadistas há dois anos, iniciativas de diálogo inter-religioso como esta são essenciais. Assolada pelo terrorismo desde 2015, a “terra dos justos” sofre ataques diários que atingem agora todas as regiões do país. Embora seja verdade que nem todos os terroristas são jihadistas, os muitos massacres perpetrados sob o clamor de Allahu Akbar associaram inevitavelmente os muçulmanos aos jihadistas na mente do público. “As tensões existiam”, reconhece o padre André, “mas com este jogo e todas as outras iniciativas que implementamos, a situação claramente se acalmou.”
O xeique Chaman compartilha dessa visão: “Uma coisa é os líderes pregarem a unidade e a coesão social nos respectivos locais de culto, mas quando os nossos fiéis nos veem jogando juntos no mesmo campo, isso torna-se um apelo ainda mais forte para que a paz e a harmonia regressem a Burkina Faso.” Um compromisso partilhado pela Federação das Associações Islâmicas (FAIB), que dá formação a centenas de imãs para combater o discurso de ódio e a glorificação da violência.
No entanto, os líderes admitem que tal nível de diálogo nem sempre é possível. Por exemplo, o xeique de outra mesquita sunita próxima, mais radical, nunca aceitou participar em atividades desse tipo.
Burkina Faso retira grande força da sua tradição de coexistência religiosa para resistir ao radicalismo. Quase todo burquinense tem um membro da família de outra religião, sem que isso represente em geral um grande problema, uma vez que os laços familiares geralmente têm precedência sobre todo o resto. Nos últimos anos, porém, quase todos têm também, tal como o padre André, um irmão, um pai ou um familiar que foi assassinado, muitas vezes de forma brutal. Para evitar que esse sofrimento se transforme em ódio, a educação e exemplos tangíveis de diálogo inter-religioso, como este jogo de futebol, são indispensáveis.