“Sinceramente, não sei como começar a descrever o que aconteceu nestes dias” escreve Dom Wilfredo Pino Estévez, bispo da diocese cubana de Guantánamo-Baracoa numa mensagem à Fundação Pontifícia ACN (Ajudaà Igreja que Sofre) depois que o furacão Matthew, categorizado no nível 4, arrasou em poucas horas a parte leste da ilha na noite de segunda-feira, 4 de outubro. Graças a Deus, a solidariedade das pessoas e ao sistema de evacuação civil que Cuba tem praticado há anos, não houve nenhuma morte, embora a destruição tenha sido enorme.

“Ainda bem que todas as pessoas conseguiram se refugiar em abrigos subterrâneos. Alguns preferiram não sair de suas casas, pensando que seriam resistentes o suficiente e, felizmente, não se enganaram. Fiquei feliz em ver que a nova igreja dos adventistas ficou intacta. O ciclone passou ali e dezenas de pessoas ficaram a salvo”, relata o bispo de Guantánamo-Baracoa.

Os municípios de Baracoa, Maisí e Imías, foram os mais atingidos, onde muitas casas ficaram sem teto ou totalmente destruídas. Depois que o furacão passou, o primeiro e único desejo do Dom Willi, como o chamam seus paroquianos, era visitar os fiéis, consolar os aflitos. Na primeira hora da manhã começou uma viagem árdua e dificultosa: “Ao chegar no lugar conhecido como o Bate-Bate (caminho que percorre a costa), a rodovia estava destruída e a fúria do mar tinha jogado ali muita areia e pedras que impediam a passagem. Quando já estávamos cansados de tirar as pedras para que o carro pudesse passar, atolamos em seguida com a lama na estrada. Demoramos três horas para sair dali. A ajuda veio de três homens. Não esqueceremos do seu gesto porque ficaram ensopados com a chuva e também enlameados. Deus lhes pague. Pudemos, então, continuar a visita às comunidades de Santo Antônio, Imías e Cajobabo e partilhar com sacerdotes, religiosas e leigos. Em Cajobabo, soubemos que 75 pessoas tinham sobrevivido ao furacão numa casa pré-moldada, apareceram as primeiras lágrimas. A verdade era que, à medida que nos aproximávamos de Baracoa, os danos eram maiores”.

Dom Willi demorou quase 20 horas para chegar em Baracoa, primeira capital de Cuba, que havia sido reduzida a escombros. “Chegamos pela mão de Deus e também por mãos solidárias. Ao começar a subir o viaduto La Farola havia muitas pedras no caminho. Tirávamos as pedras com as mãos, e, assim, podíamos seguir. Atrás de nós, vinha outro automóvel onde estavam autoridades da província e do país. Juntos tínhamos o mesmo objetivo: chegar a Baracoa. Pouco mais adiante, havia um grupo de trabalho esperando as autoridades com motosserras. E começaram a abrir caminho. Nos colocamos no final da fila de carros. E assim, fomos avançando até alcançarmos a cidade. Um enorme deslizamento nos impossibilitou de continuar. Mas vieram pessoas de Baracoa para buscar as autoridades e me convidaram a cruzar o deslizamento a pé e seguir em um dos jipes que estavam com eles. Como meu objetivo era chegar lá, não titubeei. Graças a esse gesto, pude chegar a Baracoa. Na entrada da cidade, já se via os danos. Nossa igreja de Cabacú, dedicada à Nossa Senhora do Carmo, estava destruída. Só estava de pé a parede dos fundos. Finalmente, consegui entrar na Casa Paroquial de Baracoa, já era uma e meia da madrugada”.

Dom Willi só pôde chegar dois dias mais tarde em Maisí, o último dos municípios arrasados pelo furacão, depois de duas tentativas frustradas porque as duas rodovias de acesso estavam interditadas: uma por dano numa ponte e a outra por árvores e postes elétricos caídos. De acordo com a mídia local, mais de 1.000 postes haviam sido derrubados na província e 80% das residências afetadas somente em Maisí: Certamente, já imaginava que iria encontrar o pior porque, de acordo com meus simples cálculos, ali o furacão deve ter passado com maior força. De fato, foi o que encontrei. Acredito não estar exagerando ao dizer que Maisí estava devastada. Há imagens de casas destruídas que lembram as fotos que todos nós vimos do resultado do terremoto no Haiti”.

Assim, a igreja local cubana se dedica a “erguer a alma das pessoas”, a escutá-las, contar o que passaram e seu agradecimento a Deus nos lábios por estarem vivos, “que é o mais importante, porque o material se ajeita”, narra Dom Willi. Também exorta: “Temos que enxugar suas lágrimas, levantar seus corações, dar esperança. Fazer o que fizeram e dizer o que disseram os apóstolos: ‘Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho eu te dou’ (At 3,6)”.

Não se pode esquecer de dar o consolo espiritual junto do humano: dar comida aos que têm fome. Assim a Igreja local e a Cáritas-Guantánamo tem trabalhado bastante para localizar “as pessoas vulneráveis por doenças, idosos, para lhes levar um pouco de alimento e um pouco de comida: sopa, arroz, biscoitos. Ontem, por exemplo, recolhemos um homem que andava pela rodovia a pé em busca de seus familiares e nos disse que estava já há dois dias sem comer e um sem dormir… O caminhão da diocese está indo de um lado para o outro levando as doações de outras dioceses.”

Em meio a tanta dor, Dom Willi relata também momentos de ânimo e de esperança. Em circunstâncias como essa, a dor une. Os cubanos por si só já são muito solidários e nessas situações se tornam ainda mais. “Me contaram que enquanto o furacão passava, protestantes e católicos rezavam juntos num povoado pela primeira vez. Uma senhora também nos falou que, nesse mesmo momento, enquanto o furacão passava, ‘nós louvávamos ao Senhor, cantávamos e rezávamos para que ficássemos vivos ainda que tudo fosse destruído’”.

A ACN está em contato com os bispos cubanos para iniciar trabalhos de reconstrução e convida a todos os seus benfeitores e colaboradores a rezarem pelos que foram afetados pelo furacão. “É verdade que as imagens estão gravadas em nossos olhos, difíceis de descrever, mas também temos muito que agradecer a todas as pessoas preocupadas, que estão orando por nós e nos ajudando tanto!”, escreve o bispo à Fundação Pontifícia. Nos últimos 5 anos, a ACN apoiou 421 projetos pastorais em Cuba.

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