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Emirados Árabes, Abu Dhabi: “Eu nunca experimentei animosidade”

4 de fevereiro de 2019

O Papa Francisco iniciou no último domingo uma viagem histórica para os Emirados Árabes Unidos

O bispo Paul Hinder é o vigário apostólico do sul da Arábia. Como tal, o monge capuchinho suíço hospeda o Papa em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos. Antes da visita do Papa Francisco, a ACN falou com Dom Hinder sobre a tolerância na vida cotidiana; bem como sobre a falta de liberdade religiosa e expectativas para a visita papal. Confira a seguir a entrevista na íntegra:

Sua Excelência, o Papa Francisco estará em breve visitando Abu Dhabi. Seria exagero falar de uma visita histórica?

Dom Hinder: Não. A visita pode ser chamada de histórica por duas razões: primeiro, porque será a primeira vez na história da Igreja que um papa visitará a Península Arábica; e segundo, porque será a primeira vez que a Eucaristia será celebrada em propriedade pública, colocada pelo governo para esse fim, à nossa disposição.

Bispo Camillo Ballin

Bispo Camillo Ballin na cerimônia de inauguração da catedral no Bahrein.

O senhor espera mais de 130 mil fiéis para a missa papal, o que seria inconcebível na vizinha Arábia Saudita. Igrejas nem sequer existem lá. Por que as coisas são diferentes nos Emirados Árabes Unidos?

Dom Hinder: O quanto a liberdade de culto é concedida varia em cada um dos países do mundo árabe. Enquanto na Arábia Saudita os serviços divinos só são tolerados quando realizados em grupos relativamente pequenos, em outros países, particularmente aqui nos Emirados Árabes Unidos, igrejas foram construídas e são visitadas por milhares de fiéis todas as semanas; inclusive, com celebração de missas para os fiéis e visitantes. Essa liberdade de celebrar os serviços divinos geralmente depende da abertura e tolerância dos respectivos governantes. Nas últimas décadas, isso pode ser encontrado particularmente no Bahrein e nos Emirados Árabes Unidos, assim como em Omã.

Os governantes dos Emirados Árabes Unidos têm uma atitude relativamente aberta em relação aos cristãos. Isso também ocorre com a população de forma geral?

Dom Hinder: Eu moro em Abu Dhabi há 15 anos e nunca presenciei nenhuma animosidade. É claro que sabemos que em todos os países islâmicos, aqueles que não são muçulmanos têm que cumprir as leis sociais do Islã – e isto vale para todas as outras religiões, não somente para os cristãos. Entretanto, identifico um profundo respeito pelos cristãos entre a população local. Isto é ainda mais aparente agora, no período que antecede a visita papal.

De que forma?

Dom Hinder: Um grande número de muçulmanos me contatou para perguntar como eles podem ajudar a se preparar para a visita. Muitos manifestaram interesse em assistir à Missa. O governo também está fazendo tudo o que está ao seu alcance para garantir que o maior número possível de nossos fiéis possam ver o Papa.

Essa disposição de ajudar também tem algo a ver com a popularidade do Papa Francisco?

As reações da população muçulmana à eleição do Cardeal Jorge Bergoglio, bem como a presença do Papa Francisco foram sempre positivas. E isso ficou mais evidente agora. Desde que o anúncio de sua visita foi feito, notei sinais de alegria e orgulho pelo fato de o Papa estar chegando ao país.

Emirado Árabe Unidos

Mesquita e construção da paróquia de Santa Maria que é uma das maiores paróquias do mundo: entre 300.000 e 400.000.

O que tornou essa visita possível?

Dom Hinder: Existem várias razões para a visita. Nos últimos anos, diferentes convites de toda a região, incluindo os Emirados Árabes Unidos, foram enviados ao Papa. A igreja local também comunicou seu desejo de que o Papa permanecesse aqui.

A igreja nos Emirados é composta apenas de estrangeiros; em particular trabalhadores estrangeiros. Que tipo de problemas você enfrenta como bispo por conta disso?

Dom Hinder: Um dos problemas pastorais críticos está em fortalecer nosso povo em sua fé e encorajá-los a manter sua identidade cristã e católica, além de encorajar a professar sua fé; ainda que o ambiente nem sempre facilite isso. Estou pensando nos trabalhadores domésticos e trabalhadores da construção civil; pois não apenas precisam trabalhar duro todos os dias, como também, às vezes, precisam lidar com o zelo missionário dos empregadores ou colegas muçulmanos.

O que acontece quando um muçulmano local quer se converter ao cristianismo?

Dom Hinder: Não possuo conhecimento de nenhum país muçulmano que permita total liberdade religiosa. Mesmo naqueles em que converter um muçulmano a outra religião não é punível por lei, no mínimo o círculo social da pessoa, em particular a sua família, reagirá com ostracismo ou mesmo violência física. Como já disse, a liberdade de religião é maior ou menor dependendo do país.

O senhor tem igrejas e sacerdotes suficientes?

Dom Hinder: Mais igrejas seriam desejáveis; pois nosso número de paróquias ainda não é proporcional ao número de cristãos. Nos Emirados Árabes Unidos, por exemplo, temos nove paróquias; o que definitivamente não é suficiente para quase um milhão de católicos que vivem no país. Além disso, também é necessário levar em consideração que, em contraste com outras Igrejas, nossos membros são estrangeiros; portanto falam outros idiomas e seguem diferentes ritos católicos. Um outro desafio pastoral surge do fato de que, devido à situação como migrantes, muitos de nossos fiéis estão enfrentando questões morais, as quais nunca pensariam ter de lidar. Isso é particularmente comum entre homens e mulheres que vivem separados de seus cônjuges por conta do trabalho. Muitas vezes por períodos superiores a um ano. Por isso, não é incomum que os casamentos terminem quando surgem relacionamentos extraconjugais.

Cerimônia de inauguração da catedral de Bahrein

 Cerimônia litúrgica de inauguração da catedral em Bahrein, com leituras e canções religiosas.

Como a visita papal pode ajudar a melhorar a situação dos cristãos no mundo islâmico?

Dom Hinder: Espero que a visita do Papa seja capaz de mudar o clima geral para melhor. No entanto, seria um erro esperar muitos milagres por conta da visita. O decisivo é que, nós cristãos, somos testemunhas credíveis da mensagem de Cristo. E isso também significa aceitar com humildade que nunca tocaremos o primeiro violino nessa sociedade. Às vezes, é suficiente ser capaz de tocar um gravador simples com uma qualidade suficiente para encantar os outros!

Para concluir, a visita papal pode resultar mais do que simplesmente uma xícara de café compartilhada e fotos bonitas?

Dom Hinder: O que nos resta é saber se a visita deixará algum tipo de impressão duradoura. É como costumamos dizer: uma andorinha não faz verão. Um diálogo com outra religião e seus representantes leva tempo e paciência; e de fato os contratempos são inevitáveis. Isto também é verdade para o ecumenismo dentro do cristianismo; mesmo que tudo o que se tenha conseguido seja maior respeito mútuo. Isso torna possível trabalhar em conjunto em áreas problemáticas que afetam todas as religiões; então o progresso foi feito. Você só precisa pensar sobre os desafios no compromisso com a paz, ou no cuidado com o lar comum da criação.

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O Papa Francisco iniciou no último domingo uma viagem histórica para os Emirados Árabes Unidos

O bispo Paul Hinder é o vigário apostólico do sul da Arábia. Como tal, o monge capuchinho suíço hospeda o Papa em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos. Antes da visita do Papa Francisco, a ACN falou com Dom Hinder sobre a tolerância na vida cotidiana; bem como sobre a falta de liberdade religiosa e expectativas para a visita papal. Confira a seguir a entrevista na íntegra:

Sua Excelência, o Papa Francisco estará em breve visitando Abu Dhabi. Seria exagero falar de uma visita histórica?

Dom Hinder: Não. A visita pode ser chamada de histórica por duas razões: primeiro, porque será a primeira vez na história da Igreja que um papa visitará a Península Arábica; e segundo, porque será a primeira vez que a Eucaristia será celebrada em propriedade pública, colocada pelo governo para esse fim, à nossa disposição.

Bispo Camillo Ballin

Bispo Camillo Ballin na cerimônia de inauguração da catedral no Bahrein.

O senhor espera mais de 130 mil fiéis para a missa papal, o que seria inconcebível na vizinha Arábia Saudita. Igrejas nem sequer existem lá. Por que as coisas são diferentes nos Emirados Árabes Unidos?

Dom Hinder: O quanto a liberdade de culto é concedida varia em cada um dos países do mundo árabe. Enquanto na Arábia Saudita os serviços divinos só são tolerados quando realizados em grupos relativamente pequenos, em outros países, particularmente aqui nos Emirados Árabes Unidos, igrejas foram construídas e são visitadas por milhares de fiéis todas as semanas; inclusive, com celebração de missas para os fiéis e visitantes. Essa liberdade de celebrar os serviços divinos geralmente depende da abertura e tolerância dos respectivos governantes. Nas últimas décadas, isso pode ser encontrado particularmente no Bahrein e nos Emirados Árabes Unidos, assim como em Omã.

Os governantes dos Emirados Árabes Unidos têm uma atitude relativamente aberta em relação aos cristãos. Isso também ocorre com a população de forma geral?

Dom Hinder: Eu moro em Abu Dhabi há 15 anos e nunca presenciei nenhuma animosidade. É claro que sabemos que em todos os países islâmicos, aqueles que não são muçulmanos têm que cumprir as leis sociais do Islã – e isto vale para todas as outras religiões, não somente para os cristãos. Entretanto, identifico um profundo respeito pelos cristãos entre a população local. Isto é ainda mais aparente agora, no período que antecede a visita papal.

De que forma?

Dom Hinder: Um grande número de muçulmanos me contatou para perguntar como eles podem ajudar a se preparar para a visita. Muitos manifestaram interesse em assistir à Missa. O governo também está fazendo tudo o que está ao seu alcance para garantir que o maior número possível de nossos fiéis possam ver o Papa.

Essa disposição de ajudar também tem algo a ver com a popularidade do Papa Francisco?

As reações da população muçulmana à eleição do Cardeal Jorge Bergoglio, bem como a presença do Papa Francisco foram sempre positivas. E isso ficou mais evidente agora. Desde que o anúncio de sua visita foi feito, notei sinais de alegria e orgulho pelo fato de o Papa estar chegando ao país.

Emirado Árabe Unidos

Mesquita e construção da paróquia de Santa Maria que é uma das maiores paróquias do mundo: entre 300.000 e 400.000.

O que tornou essa visita possível?

Dom Hinder: Existem várias razões para a visita. Nos últimos anos, diferentes convites de toda a região, incluindo os Emirados Árabes Unidos, foram enviados ao Papa. A igreja local também comunicou seu desejo de que o Papa permanecesse aqui.

A igreja nos Emirados é composta apenas de estrangeiros; em particular trabalhadores estrangeiros. Que tipo de problemas você enfrenta como bispo por conta disso?

Dom Hinder: Um dos problemas pastorais críticos está em fortalecer nosso povo em sua fé e encorajá-los a manter sua identidade cristã e católica, além de encorajar a professar sua fé; ainda que o ambiente nem sempre facilite isso. Estou pensando nos trabalhadores domésticos e trabalhadores da construção civil; pois não apenas precisam trabalhar duro todos os dias, como também, às vezes, precisam lidar com o zelo missionário dos empregadores ou colegas muçulmanos.

O que acontece quando um muçulmano local quer se converter ao cristianismo?

Dom Hinder: Não possuo conhecimento de nenhum país muçulmano que permita total liberdade religiosa. Mesmo naqueles em que converter um muçulmano a outra religião não é punível por lei, no mínimo o círculo social da pessoa, em particular a sua família, reagirá com ostracismo ou mesmo violência física. Como já disse, a liberdade de religião é maior ou menor dependendo do país.

O senhor tem igrejas e sacerdotes suficientes?

Dom Hinder: Mais igrejas seriam desejáveis; pois nosso número de paróquias ainda não é proporcional ao número de cristãos. Nos Emirados Árabes Unidos, por exemplo, temos nove paróquias; o que definitivamente não é suficiente para quase um milhão de católicos que vivem no país. Além disso, também é necessário levar em consideração que, em contraste com outras Igrejas, nossos membros são estrangeiros; portanto falam outros idiomas e seguem diferentes ritos católicos. Um outro desafio pastoral surge do fato de que, devido à situação como migrantes, muitos de nossos fiéis estão enfrentando questões morais, as quais nunca pensariam ter de lidar. Isso é particularmente comum entre homens e mulheres que vivem separados de seus cônjuges por conta do trabalho. Muitas vezes por períodos superiores a um ano. Por isso, não é incomum que os casamentos terminem quando surgem relacionamentos extraconjugais.

Cerimônia de inauguração da catedral de Bahrein

 Cerimônia litúrgica de inauguração da catedral em Bahrein, com leituras e canções religiosas.

Como a visita papal pode ajudar a melhorar a situação dos cristãos no mundo islâmico?

Dom Hinder: Espero que a visita do Papa seja capaz de mudar o clima geral para melhor. No entanto, seria um erro esperar muitos milagres por conta da visita. O decisivo é que, nós cristãos, somos testemunhas credíveis da mensagem de Cristo. E isso também significa aceitar com humildade que nunca tocaremos o primeiro violino nessa sociedade. Às vezes, é suficiente ser capaz de tocar um gravador simples com uma qualidade suficiente para encantar os outros!

Para concluir, a visita papal pode resultar mais do que simplesmente uma xícara de café compartilhada e fotos bonitas?

Dom Hinder: O que nos resta é saber se a visita deixará algum tipo de impressão duradoura. É como costumamos dizer: uma andorinha não faz verão. Um diálogo com outra religião e seus representantes leva tempo e paciência; e de fato os contratempos são inevitáveis. Isto também é verdade para o ecumenismo dentro do cristianismo; mesmo que tudo o que se tenha conseguido seja maior respeito mútuo. Isso torna possível trabalhar em conjunto em áreas problemáticas que afetam todas as religiões; então o progresso foi feito. Você só precisa pensar sobre os desafios no compromisso com a paz, ou no cuidado com o lar comum da criação.

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