Dom Yousif Mirkis, Arcebispo Caldeu de Kirkuk, Iraque, fala à Oliver Maksan, correspondente da Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (AIS)

AIS: Vossa Excelência, o senhor teme o fim do cristianismo no Iraque?

Dom Yousif Mirkis: Definitivamente. Estamos em processo de desaparecimento, assim como os cristãos na Turquia, Arábia Saudita e África do Norte desapareceram. E até mesmo no Líbano que agora constituem uma minoria.

AIS: O que o Iraque perde com o desaparecimento de seus cristãos?

Dom Yousif Mirkis: O equilíbrio social seria desestabilizado. Toda sociedade precisa de todos os seus componentes. Isto foi visto na Alemanha 80 anos atrás: naquela época um grupo também foi excluído da sociedade. No Iraque, estamos experimentando um novo 1933. Vejo muitos paralelos com a Europa entre as duas guerras. Assim como a Alemanha era instável antes de 1933, após a sua derrota na Primeira Guerra Mundial, o mundo árabe vem desmoronando desde 1967. Naquela época, os árabes perderam a Guerra dos Seis Dias contra Israel. O efeito disso é traumático até hoje. Assim como a Primeira Guerra Mundial produziu a Segunda, a derrota de 1967 é a origem da atual crise.

AIS: Qual é o particular sofrimento dos cristãos hoje?

Dom Yousif Mirkis: Os cristãos são parte de uma sociedade humilhada. Eles trabalharam duro e fizeram sua contribuição. Olhe para o Líbano ou a Síria. E, claro, também aqui no Iraque. É importante saber que não havia guetos cristãos no Iraque. Os cristãos estão presentes em todas as áreas da sociedade. Eles têm a maior taxa de alfabetização. Antes de 2003, os cristãos formavam apenas 3% da população, mas quase 40% dos médicos especialistas. Como engenheiros, eles também tem participação parecida. Acredito que é um montante que impressiona. Além disso, os cristãos forneceram a maior parte dos intelectuais, escritores e jornalistas do país. Estes foram educados por pessoas com uma orientação ocidental. Os cristãos eram o motor da modernização do Iraque.

AIS: Quais são as razões para esta grande contribuição?

Dom Yousif Mirkis: As razões são históricas. As igrejas têm tradicionalmente mantido muitas escolas e hospitais. Além disso, os cristãos eram sempre de mente aberta, multilíngues e orientados para o oeste. Isso explica o alto nível de educação. Mas, com a emigração permanente, é evidente que estamos perdendo nosso dinamismo.

AIS: E o êxodo vem se acelerando nos últimos dez anos…

Dom Yousif Mirkis: Sim, não é fácil ser um cristão no Iraque hoje. Antes de 2003 representávamos 3% da população. Hoje somos cerca de 1%. Você sabe, a história do Iraque acontece em ciclos. De dez em dez anos nós experimentamos um novo problema que leva os cristãos a sair. Eu nasci em 1949, um ano depois que Israel foi fundado; isto traumatizou o Oriente Médio. Por fim, nosso rei iraquiano foi assassinado. Mas os cristãos estavam bem com a monarquia; eles gostavam muito da liberdade adquirida. Em seguida, o assassino do rei, que se tornou presidente do país, se matou. Depois, houve a guerra de 1967 contra Israel, a guerra Irã-Iraque e assim por diante. Eu não sei se eu mencionei tudo. Tudo isso gerou instabilidade e emigração.

AIS: Mas, certamente, uma nova situação surgiu com os terroristas ISIS e seu ódio dos cristãos, não?

Dom Yousif Mirkis: Sim. Mas eu gostaria de colocar isso em um contexto mais amplo. O antagonismo entre o ocidente e o mundo islâmico substituiu o confronto entre o ocidente e a União Soviética. É uma guerra entre o moderno e o retrógrado. Por exemplo, os salafistas remetem, até mesmo em seu nome, aos seus antepassados do século VII, a quem eles desejam imitar.

AIS: A orientação dos cristãos à sociedade ocidental também é certamente uma razão pela qual os extremistas abrigam tanto ódio deles. Concorda?

Dom Yousif Mirkis: Sim. Isto é uma das raízes. Mas os jihadistas não odeiam somente eles, mas também todos aqueles que não concordam com sua visão de mundo.

AIS: Mas como podemos combater intelectualmente esse extremismo?

Dom Yousif Mirkis: Os melhores antídotos são o diálogo e a cultura. Quanto mais cultura dermos a um país menos suscetível ele é ao fanatismo. Minha esperança é com a geração mais jovem. Eu sempre procurei dar-lhes formação. Por exemplo, eu publiquei não apenas uma revista cristã destinada a adultos, mas também para crianças. Ambas estavam centradas no amor de Deus e do próximo, no respeito pelos outros. 15% de meus leitores eram muçulmanos; eles apreciavam o que estávamos fazendo. O povo iraquiano não é naturalmente fanático. Como o mundo islâmico como um todo, eles foram controlados por extremistas. E agora eles não conseguem mudar.

AIS: Mas, dado o seu número cada vez menor de cristãos, como conseguir forças para conduzir este diálogo e contribuir culturalmente?

Dom Yousif Mirkis: Estamos em diálogo com a elite muçulmana. Sempre que nos encontramos em conferências, somos como irmãos. Mas o problema é que a própria elite iraquiana tem sido marginalizada. De certo modo, tem ocorrido um massacre de intelectuais ao longo dos últimos anos. Por exemplo, desde 2013 mais de 180 professores universitários foram mortos em ataques. Uma grande parte dos médicos especialistas deixou o país. Não somos só nós, cristãos, que foram enfraquecidos, mas também a elite muçulmana. E isso traz consequências desastrosas.

AIS: O senhor já se resignou com sua derrota no Iraque?

Dom Yousif Mirkis: Não, eu estou apenas tentando ser realista. Mas ainda há fé que traz esperança. Eu mesmo não sei onde isso irá, mas o que eu devo dizer aos jovens que, nesta situação, me pedem razões do porque eles devem ficar? Nos últimos dez anos, perdemos um bispo e seis padres. Além disso, há cerca de mil fiéis que morreram nos ataques. Eu posso entender porque eles estão partindo. Nem todo mundo compartilha da fé e da esperança.

AIS: Mas, tendo em conta a atual situação no Iraque, que contribuição social os cristãos podem fazer?

Dom Yousif Mirkis: Devemos ouvir as palavras de Jesus e ser o sal da terra. A diocese de Kirkuk está agora, por exemplo, preparada para uma operação de socorro para fornecer alimentos aos muçulmanos que fugiram das áreas ocupadas pelo ISIS. Isto não pretende ser uma ação proselitista, mas eles devem saber que seus irmãos cristãos os amam. Muitos fiéis estão doando o que têm para economizar e poupar para ajudar à comunidade. Este é o nosso papel.

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